Raízes Familiares
Da história da minha Família quero distinguir e ressaltar a
trajetória de vida de duas pessoas distanciadas no tempo e no espaço, mas que
tiveram em comum um traço psicológico que as caracterizou: A coragem frente aos
desafios.
Uma, Manoel Gonçalves Dias, Gonçalves Mancebo, depois
Gonçalves Borges, fidalgo açoriano nascido no inicio do século XVIII na Ilha
Terceira, arquipélago dos Açores.
A outra, Maurícia
Carolina Fanfa Machado, nascida em Capivary, município de Rio Pardo, na época.
MANOEL GONÇALVES
MANCEBO
Ilha Terceira,
Açores, segunda metade do século XVIII.
A essa época os problemas se avolumam na ilha. O sistema
vigente de distribuição de terra é o sistema feudal: só o filho mais velho
herda a terra e fica proibido de vendê-la. Assim é mantido o estatuto da social
das famílias latifundiárias. Surgem também periódicas crises alimentares, desde
que os grandes comboios marítimos que passavam pela ilha, provocando o
desenvolvimento de um rendoso comércio local, desviaram sua rota com a
descoberta do caminho marítimo para as Índias. Além disso, a ilha só produz
basicamente o trigo e necessita autos sustentar-se. Como a Ilha Terceira é de
origem vulcânica há, por outro lado, o medo dos terremotos que é uma constante
na vida do ilhéu. Nessa época, portanto há não só na ilha Terceira, como em
todo o arquipélago, uma população oprimida pela falta de terra e acossada pela
escassez de alimento e pelo medo.
Nesse momento da história Portugal resolve oferecer, por
razões políticas bastante conhecidas, a posse gratuita da terra ao sul do
Brasil àqueles que quiserem coloniza-la. Quais os imigrantes preferenciais? Os
casais. Que casais?
Os relativamente
jovens, homens com não mais de 40 anos de idade e mulheres com não mais de 30
anos e, principalmente, os que já tiveram mais filhos. Procede-se então a uma
seleção física e moral. E o que isso significa? Significa que a coroa
portuguesa quer uma população sadia que se desenvolva rapidamente, que ocupe a
terra e que mantenha sob controle.
Fecha-se assim o
circulo das pressões em torno do açoriano Manoel Gonçalves Mancebo, e ele toma,
talvez, a mais dura decisão de sua vida, mas a mais corajosa, com certeza, por
sabê-la definitiva.
Reúne a esposa e filhos, diz adeus à branca aldeia de sua
infância, amigos e familiares embarca, numa viagem sem retorno, rumo ao
desconhecido. A sorte é lançada. É a partida definitiva.
Por destino: o rumo de uma nova pátria. Por bagagem: tão
somente a coragem e a esperança.
Dois éculos e meio depois procurei seguir suas pegadas,
resgatar alguma coisa da sua história, mas, isso foi possível á luz de alguns
fatos históricos e das razões políticas sócias e econômicas que motivaram sua
vinda para o Brasil. Primeiramente estabeleceu-se com a família em Santa
Catarina. Depois veio o continente de São Pedro do Rio Grande do Sul, chegando
até Rio Pardo onde se fixou definitivamente. Seu rasto diluiu-se no tempo, mas
o que permaneceu e permaneceu e permanecerá e o que realmente imprimiu as
marcas de seu caminho e direcionou os rumos de seu destino foram os traços do
essencial que o definiu como homem de seu tempo: sua coragem e determinação.
Traços de pioneiro. Este é o meu mais remoto ancestral conhecido, por parte do
meu avô materno.
MAURÍCIA CAROLINA FANFA MACHADO
Minha avó materna. Quando nasce, em 09 de novembro de 1871,
seu destino já esta traçado. Nasce pobre, neto de índios por parte de mãe. É
criada por sua tia, Amália Fanfa da Costa, a quem sempre amou como mãe. Quando
esta falece, passa a morar com seu pai, Feliciano Guerreiro Fanfa, em 1889.
Maurícia tem então 18 anos. É então que parte para Porte Alegre onde faz um
curso de preparação para professora primária. É nomeada como professora estadual em 25 de abril de 1891 para interinamente
reger a 12º cadeira mista de ensino á margem direita do Capivary.
A 10 de julho de 1897, casa com Herculano José Machado. Sua
aula é transferida em 26 de fevereiro de 1929 para a margem esquerda do
Capivary, para o local denominado Sarandy, ambas no município de Rio Pardo. Aí
permanece ensinando até que se aposenta em 5 de outubro de 1931 aos 60 anos,
depois de 40 anos de efetivo exercício da profissão.
No Sarandy sua aula ficava na sua casa de moradia ao lado da
de meus pais na fazenda. Foi instalada numa ampla sala que espartanamente continha
de 5 a 6 bancos de madeira e suas classes, onde sentavam agrupados seus alunos.
Havia uma mesa e uma cadeira de braços de espaldar alto. O piso era todo
assoalhado com tabuas muito claras que eram escovadas periodicamente,
juntamente com as classes e os bancos. Em
sua casa acolhia moças que ai
permaneciam por motivo de residirem muito longe. Mantinha uma média de 20 a 30
alunos anuais. Alguns deles chegavam a pé e outras a cavalo, muitos percorriam larguíssimas
distancias ávidas de conhecimento. Alfabetizou, também, todos os seus netos.
Ensinou matemática, português, história e geografia.
Hoje, quando penso sobre isso tudo, fico imaginando de onde
aquela doce e suave velhinha que conheci cuja alma se derramava pelo olhar em
mansidão e brandura, tirou a força necessária para, na condição de mulher,
pobre e inexperiente, deixar o campo onde sempre vivera enfrentar sozinha, o
preconceito, a distancia do lar e as dificuldades para seguir atrás de um
sonho. São os traços de uma pioneira.
FONTE: Renê Ferreira Salles, 2001. Raízes e Perfilhos - AHMRP
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