“(...) das
façanhas do Menino Diabo apenas sobreviviam a fama da astúcia e a
inverossimilhança do pitoresco, além da hediondez do exemplo.”
ANO DE 1836
“Assumiu, então, o comando das ditas quilhas[1]
um lusitano, que tinha adotado a divisa liberal e a nossa nacionalidade. Seu
nome era Antônio Joaquim da Silva. Era de baixíssima estatura e na revolução
exibiu artimanhas e ferocidades de um demônio. Daí o apelido que lhe deram de
Menino Diabo.
Meteu a proa
para Triunfo, o porto já indicado por Bento Gonçalves, com a finalidade de
operar com uma força de cavalaria aí existente, sob as ordens de José Manuel de
Leão. Não a encontrando, por ter sido dispersa, ante a aproximação do inimigo,
subiu o rio Taquari, recolhendo-se à paróquia do mesmo nome, onde lhe foram dar
caça. Nessa emergência, desembarcou tropa e artilharia, decidido a atuar em
terra firme, como terrorista, seguindo o modelo dos mais autênticos
subversivos. Agregando à sua força alguns elementos de cavalaria, organizou uma
unidade, a que deu o nome de “Legião Diabólica”, da qual se constituiu o
Comandante Superior ou o Quartel-Mestre, segundo os Apontamentos, de João Luiz
Gomes.
Realizando a sua guerra particular, avançou
direto a Rio Pardo, onde se apossa da localidade, a ferro e fogo. Saqueia tudo,
como fizera, antes e depois, nas vizinhanças, Bento Manuel, a dar-se crédito
aos ofícios de João Manuel e Neto.
Sua ação preocupou tanto ao governo legal
que Bento Manuel mandou para ali a 3ª Brigada de Cavalaria, de Bagé, ao mando
de Antônio de Medeiros Costa, em que servia, como subalterno, o futuro Marquês
do Erval. A 11 de setembro, um dia depois da retumbante vitória farroupilha no
Seival, o Menino Diabo é completamente batido no Passo do Couto (arroio
tributário do Jacuí, porto e povoado), deixando no campo de batalha dois
oficiais e 35 soldados mortos, 4 oficiais (3 dos quais feridos), 32 soldados e
10 escravos prisioneiros, além de 3 bandeiras, 3 bocas de fogo, 150 tiros de
metralha, muitas clavinas[2],
armas, espadas, pistolas e lanças, pólvora e munições.
Nesse combate sobressaiu-se, entre os
legais, Osório, que, comandando o primeiro dos esquadrões de carga, a doze e
meio passos da boca de um canhão farroupilha, lhe ‘rodou’ o cavalo e o cuspiu por
terra, quando, ao seu redor, 9 praças eram atingidas pela metralha. Lépido
salta sobre o primeiro animal que se lhe depara, sem sela nem freio.
Manejando-o apenas pelo cabresto, de espada em punho, repõe-se à testa do
esquadrão, arremetendo o inimigo, que é levado de roldão até a vila próxima.
Do Menino-Diabo ficaram muitas lendas, de
imensas fortunas que ele teria escondido aqui e ali, nas suas retiradas. Em Rio
Pardo até hoje há quem acredite que há dinheiro enterrado pelo Menino-Diabo no
Barro Vermelho, no testemunho de De Paranhos Antunes. A mesma coisa no rio
Taquari, acima da volta do Barreto, na ilha de Flores, outrora dos Macacos,
onde ele refugiava o seu lanchão, quando se via acossado pelos inimigos.”
REFERÊNCIA:
FAGUNDES, Morivalde Calvet. História da Revolução Farroupilha. 2. Ed; Caxias do
Sul: Ed. da Universidade de Caxias do Sul; Porto Alegre: Martins Livreiro,
1985. p. 140-1, 240)
[1] 3
lanchões que, na ilha da Pintada, Porto Alegre, deveriam impedir os legais.
[2]
Carabina usada por cavaleiro montado no século XVIII; espingarda curta.
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