VILA DE RIO
PARDO, 11 DE MAIO DE 1821 – Há muitos dias, a embarcação que me devia
conduzir a Porto Alegre estava carregando couros em Rio Pardo. Como não se podem
margear os dois rios, por causa do mato que as cobrem, não poderei ir falar ao
patrão do barco e espero com viva impaciência que reapareça no porto.
Diariamente, eu ia me lastimar desse atraso em casa do Capitão Tomás Aquino
Figueiredo Neves, testemunhando-lhe quanto eu temia ser de algum modo enganado.
Mas ele me respondia que, havendo o tenente-general dado ordens ao patrão de
não partir sem me levar, não havia necessidade de inquietação, pois o
carregamento do barco não podia demorar muito, e eu partiria, certamente, de um
momento para outro.
O tempo
estava magnífico, mas nesta estação eu devia esperar vê-lo mudar bruscamente, e
ainda mais me afligia em ficar tanto tempo em Rio Pardo, devido ao desespero de
meus soldados, ansiosos por partir. Depois que vendi meus cavalos, esses
homens, que não podem dar um passo a pé, não saem mais de casa e, nada tendo
para fazer, se aborrecem seriamente e ficam mal humorados.
(...)
Tenho
dito inúmeras vezes que há nesta capitania homens muito ricos; contam-se
numerosos estancieiros com renda de até quarenta mil cruzados e, no entanto, em
suas casas nem o mobiliário demonstra uma tal fortuna. O Major Felipe, por
exemplo, é um destes que possuem quarenta mil cruzados de renda; porém, um
campônio francês, com mil escudos de renda, vive mais confortável.
É no
equipamento de seus cavalos que a gente desta região procura ostentar maior
luxo; os estribos de prata; a testeira, o freio a retranca de seus cavalos são
guarnecidos de placas desse mesmo metal mas essa despesa não se renova
seguidamente, absorvendo somente parte muito pequena de renda dos que a fazem.
Asseguram-me que, em geral, os proprietários não guardam dinheiro; jogam muito
menos que outrora, pergunto, continuamente, a todos em que empregam o dinheiro.
Conhecendo o caráter descuidado dos americanos, presumo que esses homens
dissipam mais do que gastam, e creio que terão dificuldade em dizer, no fim do
ano, o que fizeram de seus rendimentos. É preciso esclarecer, também, que a
generosidade de muitos deles absorve somas consideráveis. Seus bolsos estão
abertos aos parentes e amigos, a quem dão ou emprestam com extrema facilidade.
Essa liberalidade é muito menos meritória entre eles do que seria entre os
europeus, uma vez que estes últimos, sempre inquietos com a ideia do futuro,
dão ao dinheiro um valor mais considerável.
Os
homens ricos da capitania são possuidores de rebanhos, aos quais não tomam
quase nenhum cuidado e que se multiplicam facilmente sem que disto se ocupem. O
comércio, que exige ordem, economia, baseando-se na ideia do futuro, o
comércio, digo, está quase inteiramente em mãos de europeus, a maior parte sem
educação, sem cultura, dos quais muitos começaram como marujos e não sabem ler,
nem escrever, que, embora inferiores aos americanos em espírito e inteligência,
sabem enriquecer-se melhor porque, pensando sempre no futuro, economizam com
parcimônia e tiram partido da liberalidade dos habitantes do país. Quando esses
homens chegam de Portugal, são de uma humildade extrema; mas, tornando-se
ricos, esquecem sua baixa origem, ficam pedantes e simulam desprezo aos
americanos, daí o rancor destes contra os europeus. Esse ódio ainda era maior
nas colônias espanholas, pois a mistura entre espanhóis e índios provocou uma
diferença entre os europeus e os nativos, capaz de um desdém que os portugueses
não podem ter pelos brasileiros.
REFERÊNCIA
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Martins Livreiro Editora, 1997. p. 364-365.
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