terça-feira, 2 de abril de 2019

SAINT-HILAIRE EM RIO PARDO (4)



VILA DE RIO PARDO, 11 DE MAIO DE 1821 – Há muitos dias, a embarcação que me devia conduzir a Porto Alegre estava carregando couros em Rio Pardo. Como não se podem margear os dois rios, por causa do mato que as cobrem, não poderei ir falar ao patrão do barco e espero com viva impaciência que reapareça no porto. Diariamente, eu ia me lastimar desse atraso em casa do Capitão Tomás Aquino Figueiredo Neves, testemunhando-lhe quanto eu temia ser de algum modo enganado. Mas ele me respondia que, havendo o tenente-general dado ordens ao patrão de não partir sem me levar, não havia necessidade de inquietação, pois o carregamento do barco não podia demorar muito, e eu partiria, certamente, de um momento para outro.
O tempo estava magnífico, mas nesta estação eu devia esperar vê-lo mudar bruscamente, e ainda mais me afligia em ficar tanto tempo em Rio Pardo, devido ao desespero de meus soldados, ansiosos por partir. Depois que vendi meus cavalos, esses homens, que não podem dar um passo a pé, não saem mais de casa e, nada tendo para fazer, se aborrecem seriamente e ficam mal humorados.
(...)
Tenho dito inúmeras vezes que há nesta capitania homens muito ricos; contam-se numerosos estancieiros com renda de até quarenta mil cruzados e, no entanto, em suas casas nem o mobiliário demonstra uma tal fortuna. O Major Felipe, por exemplo, é um destes que possuem quarenta mil cruzados de renda; porém, um campônio francês, com mil escudos de renda, vive mais confortável.
É no equipamento de seus cavalos que a gente desta região procura ostentar maior luxo; os estribos de prata; a testeira, o freio a retranca de seus cavalos são guarnecidos de placas desse mesmo metal mas essa despesa não se renova seguidamente, absorvendo somente parte muito pequena de renda dos que a fazem. Asseguram-me que, em geral, os proprietários não guardam dinheiro; jogam muito menos que outrora, pergunto, continuamente, a todos em que empregam o dinheiro. Conhecendo o caráter descuidado dos americanos, presumo que esses homens dissipam mais do que gastam, e creio que terão dificuldade em dizer, no fim do ano, o que fizeram de seus rendimentos. É preciso esclarecer, também, que a generosidade de muitos deles absorve somas consideráveis. Seus bolsos estão abertos aos parentes e amigos, a quem dão ou emprestam com extrema facilidade. Essa liberalidade é muito menos meritória entre eles do que seria entre os europeus, uma vez que estes últimos, sempre inquietos com a ideia do futuro, dão ao dinheiro um valor mais considerável.
Os homens ricos da capitania são possuidores de rebanhos, aos quais não tomam quase nenhum cuidado e que se multiplicam facilmente sem que disto se ocupem. O comércio, que exige ordem, economia, baseando-se na ideia do futuro, o comércio, digo, está quase inteiramente em mãos de europeus, a maior parte sem educação, sem cultura, dos quais muitos começaram como marujos e não sabem ler, nem escrever, que, embora inferiores aos americanos em espírito e inteligência, sabem enriquecer-se melhor porque, pensando sempre no futuro, economizam com parcimônia e tiram partido da liberalidade dos habitantes do país. Quando esses homens chegam de Portugal, são de uma humildade extrema; mas, tornando-se ricos, esquecem sua baixa origem, ficam pedantes e simulam desprezo aos americanos, daí o rancor destes contra os europeus. Esse ódio ainda era maior nas colônias espanholas, pois a mistura entre espanhóis e índios provocou uma diferença entre os europeus e os nativos, capaz de um desdém que os portugueses não podem ter pelos brasileiros.

REFERÊNCIA
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Editora, 1997. p. 364-365.

Nenhum comentário:

Postar um comentário