sábado, 23 de janeiro de 2016

                                             COMERCIANTES NO VALE DO RIO PARDO

                Os comerciantes foram um segmento importante na formação da região, contribuindo destacadamente no desenvolvimento inicial de Rio Pardo. A grande maioria dos negociantes que se estabeleceu na Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul durante a segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do século XIX era natural de Portugal, mais precisamente do Minho. Normalmente esses homens de comércio estavam atrelados, por redes sociais e familiares, aos comerciantes de grosso trato[1] existentes no Rio de Janeiro. Interessados em expandir as suas atividades comerciais para o Sul, os negociantes daquela praça promoveram o deslocamento de caixeiros de suas relações e de outros seus protegidos para gerirem a comercialização do trigo, couro e charque ou para administrar contratos de arrematação da Coroa. Dentre esses, os mais bem sucedidos alçaram-se à condição de correspondentes ou sócios dos seus antigos patrões.
                Havia um forte vínculo econômico e social que ES estabeleceu entre o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Era da corte, por exemplo, o local de onde provinham constantes carregamentos de secos e molhados que eram revendidos em Rio Pardo. O Rio de Janeiro era o principal ponto para onde convergiam os comerciantes rio-pardenses, onde buscavam mercadorias e empréstimos para seus negócios.
                Os comerciantes estabelecidos nessa época na capitania, apesar de registrarem índices de acumulação bastante inferiores aos dos seus homólogos do Rio de Janeiro, foram identificados como sendo a elite econômica do Rio Grande do Sul colonial (e não os estancieiros, como já se pensou). Foram ainda esses mesmos negociantes que, na medida em que acumularam capitais, simultaneamente procuravam diversificar seus negócios. Assim, alguns chegaram a possuir lojas, barcos, produzir charque, emprestar dinheiro etc. Outros investiram parte de seu capital na aquisição de estâncias de criação de gado e de fazendas de produtos agrícolas.  
                Além dos comerciantes de médio porte, surgiram também em Rio Pardo estabelecimentos especializados na prestação de serviços, alguns dos quais de extrema relevância para os carreteiros e tropeiros que passavam pelo local. Assim, o povoado paulatinamente foi dando ocupação para alfaiates, barbeiros, ferreiros, seleiros, sapateiros, ourives, boticários, açougueiros, taverneiros, padeiros, casas de pasto e de rancho e mulheres de vida fácil.
                Se a localidade, até 1780, manteve uma vida essencialmente militar, a partir de então passou a experimentar um surto de desenvolvimento econômico. Esse foi proporcionado pela expansão da agricultura e da pecuária e, sobretudo, pelo desenvolvimento da atividade mercantil, uma vez que Rio Pardo havia se tornado um importante entreposto comercial. No final do século XVIII e início do XIX, a povoação era uma das principais existentes na Capitania. Em 1809, graças ao progresso material alcançado, a freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Rio Pardo foi elevada à categoria de sede municipal, como Rio Grande, Porto Alegre e Santo Antônio da Patrulha.
                O povoado passou a destacar-se pela imensa atividade comercial que realizava. Sendo fundamental o transporte fluvial para abastecer de secos e molhados o entreposto, intensificavam-se as linhas de navegação que ligavam a vila com a capital, através do rio Jacuí. Rio Pardo era um ponto central de chegada e redistribuição de mercadorias. Suas casas comerciais eram ponto de partida das tropas de mulas, comboios de carretas e tropas de gado que demandavam às diferentes regiões da capitania. Como posto avançado de fronteira, a cidade passou a atrair uma série de negócios, entre os quais: venda de escravos, linhas de carretas, aluguéis de carretilhas e grandes armazéns que revendiam para as bodegas ou bolichos da Campanha, Missões e Campos de Cima da Serra uma série de produtos como sal, açúcar, vinho, aguardente, fumo, ferramentas, velas, louças inglesas, tecidos, móveis e utensílios domésticos.    
                Porém, apesar de lucrativo, o comércio era também perigoso e penoso. Para realizar as atividades mercantis, era preciso o deslocamento das mercadorias. Numa época em que os caminhos não passavam de trilhas e em que os rios eram vadeados nos passos, o lombo da mula e as carretas eram os meios de transporte mais eficazes para fazer chegar aos lugares mais distantes da fronteira os produtos intermediados por Rio Pardo. As regiões de topografia acidentada eram percorridas por tropas de mulas, que percorriam os antigos caminhos palmilhados anteriormente pelos índios.
                Em 1822 os principais produtos de exportação da província eram o trigo, couro cru ou curtido de gado e de cavalo, charque, erva mate, sebo ou graxa, e o principal mercado consumidor destas mercadorias era o Rio de Janeiro. Rio Pardo era abastecida por Porto Alegre, de onde vinham tecidos e todos os produtos da indústria européia, os víveres que a província não produzia, como vinhos, açúcar e outros gêneros alimentícios que não eram produzidos no Rio Grande do Sul.  Ou seja: naquela época, em Rio Pardo não havia produção agrícola suficiente para abastecer os habitantes da vila, uma vez que o esforço produtivo era canalizado principalmente para a criação extensiva de gado.

FONTE: VOGT, Olgário Paulo. Formação social e econômica da porção meridional do vale do Rio Pardo. In: VOGT, Olgário Paulo; SILVEIRA, Rogério Leandro Lima de (org.). Vale do Rio Pardo: (re)conhecendo a região. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2001. P. 100-109.



[1] “(...) empreendedores mais capitalizados que, por estarem envolvidos em atividades muito lucrativas como o tráfico internacional de escravos, o abastecimento interno e as finanças colônias” eram assim denominados. (VOGT, p. 101)

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