AVÉ-LALLEMANT EM RIO PARDO
Em
1858 o médico alemão Robert Avé-Lallemant viajou pela Província do Rio Grande
do Sul, e na sua passagem por Rio Pardo descreveu a cidade:
“ Esses baixios e cachoeiras muito dificultam a
navegação. Pois, por mais belos que sejam, os afluentes, as inestimáveis veias
de vida do Guaíba, formam eles às vezes, nos meses mais pobres de águas,
verdadeiros óbices à navegação. Assim o nosso bom Diel, não podendo levar o seu
navio além, teve de deixar-nos na margem, meia milha antes de Rio Pardo.
Andamos no mato para um lado e para o outro e só ao crepúsculo chegamos ao
nosso destino, depois de 39 léguas pelo rio (22 milhas geográficas), inclusive
a perda de tempo no nevoeiro noturno e os momentos perdidos em cachoeiras, em
brandes desvios – pequenos inconvenientes e aventuras que dão encanto peculiar
à navegação fluvial e muito bom humor aos viajantes.
Mal
fizera eu chegar aos respectivos endereços algumas cartas, em Rio Pardo,
quando, na mesma noite, a amabilidade de um digníssimo suíço, o senhor
Luchzinger, me arrancou à força de minha pequena taberna alemã para liberal
hospitalidade germano-helvética de uma casa modesta e bem acomodada, e lá me
conservou, embora com o mesmo fim se me tivessem oferecido três outras casas
brasileiras.
A
12 de março tivemos uma perfeita manhã de outono do norte. Fazia frio como em
setembro no Báltico; tudo brilhava no orvalho, em volta de mim, porém em pleno
esplendor verde, e cintilava particularmente o Jacuí em seu leito na floresta.
Rio
Pardo fica numa elevação sobre o rio, a poucos minutos da margem, com ruas
largas e limpas, cujo traçado evidentemente previu o futuro desenvolvimento da
cidade. É talvez a cidade mais velha da Província e já em tempos anteriores se
desenvolveu com felicidade. Rio Pardo tornou-se e foi o ponto central do alto
Jacuí, sendo o caminho para Porto Alegre muito difícil às suas atividades,
negociantes e artífices estabeleceram-se em grande número no terreno
circunvizinho, surgindo, assim, muitas e importantes casas comerciais.
O
desenvolvimento da navegação, mormente a vapor, trouxe grande prejuízo a esse
comércio de intermediários. Os proprietários de terras e os habitantes de
lugarejos, que antes quase não podiam pensar em visitar a capital da Província,
podiam agora descer o rio com facilidade e rapidez. Deixavam de lado Rio Pardo
e iam a Porto Alegre, para fazerem lá as suas compras; seguiram-nos os
negociantes, estabeleceram o seu comércio em Porto Alegre, concorrendo para o
desenvolvimento da cidade, enquanto Rio Pardo era abandonada.
Vêem-se
em toda parte vestígios desse abandono. Enquanto uma ou outra das ruas
principais apresenta quarteirões inteiros de casas e até magníficas
residências, várias travessas são formadas de fileiras muito interrompidas de
edifícios de muitas janelas e bastante compridos, e vazios. Não mais funcionam
as casas comerciais do andar térreo, a parte superior está desabitada; com as
casas em ruínas, perde-se um bom capital.
Por
isso, apesar de seus 3.500 habitantes, o lugar é muito silencioso. Raro se vê,
aqui e ali, uma carreta, um pesado carro de carga arrastado por quatro ou seis
juntas de bois, uma tropa passando pelas ruas. Entretanto, na sua bonita
situação, a cidade tem aparência muito agradável e os rio-pardenses são
alegres, abastados a todos os respeitos, e muitos deles ao começarem seus
empreendimentos pareciam destinados a enriquecer.
Tem
algum movimento uma grande fábrica de mate. O engenho põe em movimento 46
pilões de ferro para a pulverização das folhas e pequenos ramos, o que é feito
com muita velocidade, de modo que já de longe se ouve o ruído. A erva, a divina
yerba mate dos espanhóis, a centelha
divina de Prometeu, pois é chupada, quente, de uma cuia por meio de uma bomba,
vem em couros de boi ou em cestas de bambu dos ervais e depois é ensacada em
meios couros de boi bem recortados e costurados, para cuja feitura é preciso
especial habilidade. Preparam-se por dia mais de 100 arrobas, prontamente
vendidas em Buenos Aires. Mais tarde teremos oportunidade de falar mais pormenorizadamente
sobre o mate e seus divinos mistérios.
Há
em Rio Pardo duas igrejas, sendo a maior bastante majestosa, um hospital novo,
muito bonito, e, que, quando estiver inteiramente concluído, certamente
prestará bons serviços. Conta também com um asseado quartel. Entretanto, em
tudo isso nada é propriamente imponente.”
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pela
província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1980. p. 166-7.
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