segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

AVÉ-LALLEMANT EM RIO PARDO

                Em 1858 o médico alemão Robert Avé-Lallemant viajou pela Província do Rio Grande do Sul, e na sua passagem por Rio Pardo descreveu a cidade:
“               Esses baixios e cachoeiras muito dificultam a navegação. Pois, por mais belos que sejam, os afluentes, as inestimáveis veias de vida do Guaíba, formam eles às vezes, nos meses mais pobres de águas, verdadeiros óbices à navegação. Assim o nosso bom Diel, não podendo levar o seu navio além, teve de deixar-nos na margem, meia milha antes de Rio Pardo. Andamos no mato para um lado e para o outro e só ao crepúsculo chegamos ao nosso destino, depois de 39 léguas pelo rio (22 milhas geográficas), inclusive a perda de tempo no nevoeiro noturno e os momentos perdidos em cachoeiras, em brandes desvios – pequenos inconvenientes e aventuras que dão encanto peculiar à navegação fluvial e muito bom humor aos viajantes.
                Mal fizera eu chegar aos respectivos endereços algumas cartas, em Rio Pardo, quando, na mesma noite, a amabilidade de um digníssimo suíço, o senhor Luchzinger, me arrancou à força de minha pequena taberna alemã para liberal hospitalidade germano-helvética de uma casa modesta e bem acomodada, e lá me conservou, embora com o mesmo fim se me tivessem oferecido três outras casas brasileiras.
                A 12 de março tivemos uma perfeita manhã de outono do norte. Fazia frio como em setembro no Báltico; tudo brilhava no orvalho, em volta de mim, porém em pleno esplendor verde, e cintilava particularmente o Jacuí em seu leito na floresta.
                Rio Pardo fica numa elevação sobre o rio, a poucos minutos da margem, com ruas largas e limpas, cujo traçado evidentemente previu o futuro desenvolvimento da cidade. É talvez a cidade mais velha da Província e já em tempos anteriores se desenvolveu com felicidade. Rio Pardo tornou-se e foi o ponto central do alto Jacuí, sendo o caminho para Porto Alegre muito difícil às suas atividades, negociantes e artífices estabeleceram-se em grande número no terreno circunvizinho, surgindo, assim, muitas e importantes casas comerciais.
                O desenvolvimento da navegação, mormente a vapor, trouxe grande prejuízo a esse comércio de intermediários. Os proprietários de terras e os habitantes de lugarejos, que antes quase não podiam pensar em visitar a capital da Província, podiam agora descer o rio com facilidade e rapidez. Deixavam de lado Rio Pardo e iam a Porto Alegre, para fazerem lá as suas compras; seguiram-nos os negociantes, estabeleceram o seu comércio em Porto Alegre, concorrendo para o desenvolvimento da cidade, enquanto Rio Pardo era abandonada.
                Vêem-se em toda parte vestígios desse abandono. Enquanto uma ou outra das ruas principais apresenta quarteirões inteiros de casas e até magníficas residências, várias travessas são formadas de fileiras muito interrompidas de edifícios de muitas janelas e bastante compridos, e vazios. Não mais funcionam as casas comerciais do andar térreo, a parte superior está desabitada; com as casas em ruínas, perde-se um bom capital.
                Por isso, apesar de seus 3.500 habitantes, o lugar é muito silencioso. Raro se vê, aqui e ali, uma carreta, um pesado carro de carga arrastado por quatro ou seis juntas de bois, uma tropa passando pelas ruas. Entretanto, na sua bonita situação, a cidade tem aparência muito agradável e os rio-pardenses são alegres, abastados a todos os respeitos, e muitos deles ao começarem seus empreendimentos pareciam destinados a enriquecer.
                Tem algum movimento uma grande fábrica de mate. O engenho põe em movimento 46 pilões de ferro para a pulverização das folhas e pequenos ramos, o que é feito com muita velocidade, de modo que já de longe se ouve o ruído. A erva, a divina yerba mate dos espanhóis, a centelha divina de Prometeu, pois é chupada, quente, de uma cuia por meio de uma bomba, vem em couros de boi ou em cestas de bambu dos ervais e depois é ensacada em meios couros de boi bem recortados e costurados, para cuja feitura é preciso especial habilidade. Preparam-se por dia mais de 100 arrobas, prontamente vendidas em Buenos Aires. Mais tarde teremos oportunidade de falar mais pormenorizadamente sobre o mate e seus divinos mistérios.
                Há em Rio Pardo duas igrejas, sendo a maior bastante majestosa, um hospital novo, muito bonito, e, que, quando estiver inteiramente concluído, certamente prestará bons serviços. Conta também com um asseado quartel. Entretanto, em tudo isso nada é propriamente imponente.”


AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pela província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. p. 166-7.

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