sábado, 30 de janeiro de 2016

MUNICÍPIO DE RIO PARDO (2)

ESTATÍSTICA DEMOGRÁFICA
                O município de Rio Pardo contava em 1858 uma população de 7.023 habitantes; em 1859, 9.984; em 1872, 12.512; em 1890, 21.320; em 1911 (censo municipal), 27.417; em 1918, 30.400.
                Nos 2º e 3º distritos a população é grandemente constituída por alemães e seus descendentes; nos outros distritos predomina a população nacional.
                O número de prédios existentes em 31 de dezembro de 1911 era de 4.550; atualmente excede de 5.000.

ESTUDO ECONÔMICO
                O município de Rio Pardo ocupa uma superfície de 4.440 km². A área tributada em 1918 atingiu a 387.606 hectares, contando 4.206 contribuintes. A agricultura está bastante desenvolvida no município, que produz em grande e em regular escala milho, arroz, feijão, trigo, cevada, aveia, amendoim, fumo, ervilha, lentilha, abóbora, batata inglesa, batata doce, alfafa.
                O município conta os núcleos coloniais da Costa da Serra (Candelária), Rio-Pardense, Sobrado, 7 de Setembro, Couto, Pinheiral, Rincão Del Rei, etc. A indústria pastoril é bastante importante, principalmente no Distrito de Capivari.
                A população pecuária pode ser assim computada: 150.000 bovinos, 17.000 equinos, 3.000 muares, 30.000 ovinos, 800 caprinos e 80.000 suínos.
                Já há cruzamento de gado com as raças hereford, durhan, polled-angus, devon, redpolled, holandesa, flamenga, zebu. O município conta 5 banheiros carrapaticidas.
                O comércio do município é próspero. Em 1918 o número de casas comerciais lotadas era de 193, das quais 93 de 1ª, 5 de 2ª, 20 de 3ª e 75 de 4ª. Dentre as principais casas comerciais podemos enumerar: Albrecht Isenhardt, Alberto Lisboa, Carlos Julio Sperb, Carlos Pelegrini & Irmãos, Francisco Pelegrini, Fortunato Roque & Irmão, Marcondes Miguel, Maria Julia Bandeira & Filho, Roberto Wildt & Cia., Rodrigo Pereira da Cruz, Darcy Pinto Bandeira, Silva Barreto & Filho.
                O município conta mais 3 farmácias, 2 fábricas de moagem e torrefação de café, 1 fábrica de malas, 11 engenhos a vapor, 19 serrarias, 1 salsicharia, 1 fábrica de banha, 2 cervejarias, 2 marcenarias a vapor, 12 marcenarias, 3 funilarias, 3 ourivesarias, 6 selarias, 15 atafonas, 7 sapatarias, 9 olarias, 3 curtumes, 7 caieiras, 23 ferrarias, 10 açougues, 5 padarias, 1 alambique, 11 moinhos, 2 fábricas de gasosas, 4 engenhos de erva-mate.
                Dentre os seus mais importantes estabelecimentos industriais, o município conta os engenhos de descascar arroz de F. E. Wunderlich, Gonçalves, Raffo & Cia.
                A exportação atinge a 3.000 contos e a importação a 2.500.
                O município é cortado pela via férrea Porto Alegre a Uruguaiana, contando as estações de João Rodrigues, Rua Velha, Couto, Rio Pardo, Pederneiras e Bexiga. É servido pela navegação fluvial do rio Jacuí. Conta várias estradas de rodagem quer na margem direita, que na esquerda do rio Jacuí. Entre as principais, a que de Rio Pardo vai a Encruzilhada; a que, vindo de Cachoeira, atravessa o arroio Pequiri e vai ao município de São Jerônimo; a que, de Rio Pardo, vai a Santa Cruz; a que de Rio Pardo vai a Cachoeira; a que de Rio Pardo vai a Santo Amaro; a que, do Bexiga, vai a Candelária e aos campos do Sobradinho; a que de Candelária vai a Santa Cruz.
                Em 1918 o município contava 7 automóveis, 94 carros, 1.074 carroças e 515 carretas.
                Possui agências de correio na cidade, no povoado de Candelária e nas estações de João Rodrigues, Couto e Bexiga; estações telegráficas na cidade e no povoado de Candelária; centros telefônicos em Rio Pardo e Candelária.
                A riqueza pública do município orça por 49 mil contos.

FONTE:

COSTA, Alfredo R. da (org.). O Rio Grande do Sul (II Volume). Município de Rio Pardo. Porto Alegre: Liv. do Globo, 1922.     
 p. 73-8.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

MUNICÍPIO DE RIO PARDO (1)

ESTUDO TERRITORIAL
                O município de Rio Pardo limita-se com os de Santo Amaro, Venâncio Aires, Santa Cruz, Cachoeira, Encruzilhada e São Jerônimo.
                Os terrenos ao sul do Jacuí são constituídos de conglomeratos e tabatingas sobrepostas à bacia carbonífera, que atravessa o Jacuí e corre numa grande extensão.
                Os do norte pertencem à formação triássica e os do sul à formação miocena. O território é montanhoso ao norte e leste, ligeiramente acidentado nas outras partes do município.
                Dispõe de bom sistema hidrográfico, sendo regado pelos rios Jacuí, Pardo, Pardinho e Botucaraí, e vários arroios. Os passos do Jacuí, Pederneiras, João Nunes e João Franco, os dois primeiros no Jacuí e os dois últimos no Capivari, possuem barcas. O clima é ameno e temperado.
ESTUDO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO
                Constitui uma circunscrição municipal. Faz parte do 2º Distrito eleitoral federal. O município é constituído por 6 distritos administrativos, a saber: 1º - Rio Pardo; 2º - Couto; 3º - Costa da Serra; 4º - Cruz Alta; 5º - Capivari; 6º - Rincão Del Rei.
                Os municípios de Rio Pardo e Santa Cruz formam uma comarca de 2ª entrância, criada por decreto de 11 de março de 1833.
                Na cidade de Rio Pardo, que outrora foi importante centro militar, aquartela um corpo de trem. Faz parte da diocese de Santa Maria, e conta as paróquias de Nossa Senhora do Rosário do Rio Pardo e Nossa Senhora da Candelária. Além das duas matrizes, conta com as seguintes capelas filiais: São Francisco de Assis (com as mais belas imagens do Rio Grande do Sul), Nossa Senhora dos Passos, Divino Espírito Santo – todas na zona urbana; Santo Amaro, no bairro da Boa Vista; São Nicolau; Nossa Senhora do Rosário do Passo do Sobrado; Sagrado Coração de Jesus do Rincão Del Rei; Nossa Senhora do Rincão do Inferno. Possui um templo evangélico, no povoado de Candelária.
RESUMO HISTÓRICO
                Teve início no forte de Jesus, Maria, José, mandado construir depois da assinatura do Tratado de Madri, com o intuito de defender as nossas fronteiras de então. No ano de 1753 foi erigida, no Alto da Fortaleza, uma capela consagrada à Santa Família; em 1759, os povoadores edificaram outra capela dedicada a Santo Ângelo, e que, por portaria de 15 de dezembro, foi criada capela curada. Elevada à categoria de freguesia, sob o orago de Nossa Senhora do Rosário, segundo Pizarro, em 8 de maio de 1769.
                Instalada a matriz com toda solenidade, e com a presença do benemérito governador José Marcelino de Figueiredo, em 3 de outubro de 1779. Elevada à categoria de vila por Alvará de 27 de abril de 1809, foi solenemente instalada pelo ouvidor geral e corregedor da comarca, Dr. Antonio Monteiro da Rocha, em 20 de maio de 1811. A sua primeira Câmara assim ficou constituída: Antonio José de Carvalho Guimarães, José Antonio de Souza, Manoel Antonio P. Guimarães, José Velloso Rebello, Manoel Luiz da Cunha.
                A vila de Rio Pardo foi elevada à categoria de cidade por lei provincial de 31 de março de 1846.
                Após a instalação da República, foi organizada uma junta para administrar o município, sucedendo a esta mais duas outras. Em 24 de setembro de 1892 foi nomeado primeiro intendente o coronel Francisco Alves de Azambuja, que exerceu o cargo por quatro anos e foi eleito para o quatriênio seguinte. O atual intendente é o Major Artur Taurino de Rezende.

FONTE:
COSTA,Alfredo R. da.(org.)O Rio Grande do Sul(II Volume).Município de Rio Pardo.Porto Alegre:Liv.do Globo,1922. p. 73-8.

OBS: Presente de Lurdes Eloisa Wunderlich da Rocha, em outubro de 1998, saudosa companheira dos tempos do Núcleo de Cultura, sempre atenta às informações que pudessem nos ensinar mais sobre nossa cidade. Existe um exemplar no Arquivo Histórico de Rio Pardo.       

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A EVOLUÇÃO DO ENTREPOSTO COMERCIAL

                No início do século XIX Rio Pardo era um importante centro comercial para onde convergiam militares, comerciantes e caixeiros[1]. O transporte era precário, feito a cavalo, e para as mercadorias utilizavam-se grandes carroças puxadas por juntas de bois. Como fator importante para o desenvolvimento da economia havia os rios Jacuí e Pardo, que asseguravam o melhor meio de transporte para pessoas e mercadorias, feito em canoas e barcos maiores e interligando a cidade e região a Porto Alegre, e daí a Rio Grande e ao mar. Na primeira década do século XIX Rio Pardo era centro comercial da Capitania e seu porto no rio Jacuí tinha grande movimento. Aí atracavam continuamente as embarcações que traziam mercadorias de Porto Alegre, para serem conduzidas, por carroças e carretas, a outros locais, principalmente à serra e à fronteira.
Havia em Rio Pardo inúmeras casas comerciais especializadas em serviços, tais como açougues, casas de pasto[2], ourives, padarias, tavernas[3]. Em 1826 eram as seguintes as atividades econômicas desenvolvidas em Rio Pardo, além do comércio realizado em pelo menos 20 estabelecimentos urbanos e da produção pecuária: plantio de milho, feijão, mandioca e trigo em pequena quantidade; prática da pesca e venda de peixes em bancas de feiras e mercados públicos; curtumes de couros, tecidos ordinários de lã e algodão, engenhos de água, produção de vinho em inúmeras quintas nos arredores da vila.
                Nesta época havia falta de dinheiro vivo para realização dos negócios e de bancos para agilizar os negócios, o gado era muito utilizado como pronta solução para realização dos negócios e os comerciantes que possuíam moeda corrente faziam empréstimos a quem precisasse.  
                Criava-se toda uma rede de relações comerciais a partir do núcleo de Rio Pardo, consolidando-se a sua referência como ponto de abastecimento e de trocas. O transporte fluvial e as estradas para o interior eram fundamentais para o desenvolvimento comercial da vila, um entreposto por onde chegavam e saíam as mercadorias em direção a outras povoações e regiões do estado.
               
FONTE: SCHNEIDER, Luiz Carlos. Rio Pardo: evolução urbana e patrimônio arquitetônico-urbanístico. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. p. 125-7.



[1] Nome antigo para vendedor; empregado que atende no balcão de uma casa comercial. Sinônimo de mascate.
[2] Estabelecimentos que serviam refeições, mistura de taverna e restaurante.
[3] Estabelecimento onde se vendiam bebidas alcoólicas; botequim.

sábado, 23 de janeiro de 2016

                                             COMERCIANTES NO VALE DO RIO PARDO

                Os comerciantes foram um segmento importante na formação da região, contribuindo destacadamente no desenvolvimento inicial de Rio Pardo. A grande maioria dos negociantes que se estabeleceu na Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul durante a segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do século XIX era natural de Portugal, mais precisamente do Minho. Normalmente esses homens de comércio estavam atrelados, por redes sociais e familiares, aos comerciantes de grosso trato[1] existentes no Rio de Janeiro. Interessados em expandir as suas atividades comerciais para o Sul, os negociantes daquela praça promoveram o deslocamento de caixeiros de suas relações e de outros seus protegidos para gerirem a comercialização do trigo, couro e charque ou para administrar contratos de arrematação da Coroa. Dentre esses, os mais bem sucedidos alçaram-se à condição de correspondentes ou sócios dos seus antigos patrões.
                Havia um forte vínculo econômico e social que ES estabeleceu entre o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Era da corte, por exemplo, o local de onde provinham constantes carregamentos de secos e molhados que eram revendidos em Rio Pardo. O Rio de Janeiro era o principal ponto para onde convergiam os comerciantes rio-pardenses, onde buscavam mercadorias e empréstimos para seus negócios.
                Os comerciantes estabelecidos nessa época na capitania, apesar de registrarem índices de acumulação bastante inferiores aos dos seus homólogos do Rio de Janeiro, foram identificados como sendo a elite econômica do Rio Grande do Sul colonial (e não os estancieiros, como já se pensou). Foram ainda esses mesmos negociantes que, na medida em que acumularam capitais, simultaneamente procuravam diversificar seus negócios. Assim, alguns chegaram a possuir lojas, barcos, produzir charque, emprestar dinheiro etc. Outros investiram parte de seu capital na aquisição de estâncias de criação de gado e de fazendas de produtos agrícolas.  
                Além dos comerciantes de médio porte, surgiram também em Rio Pardo estabelecimentos especializados na prestação de serviços, alguns dos quais de extrema relevância para os carreteiros e tropeiros que passavam pelo local. Assim, o povoado paulatinamente foi dando ocupação para alfaiates, barbeiros, ferreiros, seleiros, sapateiros, ourives, boticários, açougueiros, taverneiros, padeiros, casas de pasto e de rancho e mulheres de vida fácil.
                Se a localidade, até 1780, manteve uma vida essencialmente militar, a partir de então passou a experimentar um surto de desenvolvimento econômico. Esse foi proporcionado pela expansão da agricultura e da pecuária e, sobretudo, pelo desenvolvimento da atividade mercantil, uma vez que Rio Pardo havia se tornado um importante entreposto comercial. No final do século XVIII e início do XIX, a povoação era uma das principais existentes na Capitania. Em 1809, graças ao progresso material alcançado, a freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Rio Pardo foi elevada à categoria de sede municipal, como Rio Grande, Porto Alegre e Santo Antônio da Patrulha.
                O povoado passou a destacar-se pela imensa atividade comercial que realizava. Sendo fundamental o transporte fluvial para abastecer de secos e molhados o entreposto, intensificavam-se as linhas de navegação que ligavam a vila com a capital, através do rio Jacuí. Rio Pardo era um ponto central de chegada e redistribuição de mercadorias. Suas casas comerciais eram ponto de partida das tropas de mulas, comboios de carretas e tropas de gado que demandavam às diferentes regiões da capitania. Como posto avançado de fronteira, a cidade passou a atrair uma série de negócios, entre os quais: venda de escravos, linhas de carretas, aluguéis de carretilhas e grandes armazéns que revendiam para as bodegas ou bolichos da Campanha, Missões e Campos de Cima da Serra uma série de produtos como sal, açúcar, vinho, aguardente, fumo, ferramentas, velas, louças inglesas, tecidos, móveis e utensílios domésticos.    
                Porém, apesar de lucrativo, o comércio era também perigoso e penoso. Para realizar as atividades mercantis, era preciso o deslocamento das mercadorias. Numa época em que os caminhos não passavam de trilhas e em que os rios eram vadeados nos passos, o lombo da mula e as carretas eram os meios de transporte mais eficazes para fazer chegar aos lugares mais distantes da fronteira os produtos intermediados por Rio Pardo. As regiões de topografia acidentada eram percorridas por tropas de mulas, que percorriam os antigos caminhos palmilhados anteriormente pelos índios.
                Em 1822 os principais produtos de exportação da província eram o trigo, couro cru ou curtido de gado e de cavalo, charque, erva mate, sebo ou graxa, e o principal mercado consumidor destas mercadorias era o Rio de Janeiro. Rio Pardo era abastecida por Porto Alegre, de onde vinham tecidos e todos os produtos da indústria européia, os víveres que a província não produzia, como vinhos, açúcar e outros gêneros alimentícios que não eram produzidos no Rio Grande do Sul.  Ou seja: naquela época, em Rio Pardo não havia produção agrícola suficiente para abastecer os habitantes da vila, uma vez que o esforço produtivo era canalizado principalmente para a criação extensiva de gado.

FONTE: VOGT, Olgário Paulo. Formação social e econômica da porção meridional do vale do Rio Pardo. In: VOGT, Olgário Paulo; SILVEIRA, Rogério Leandro Lima de (org.). Vale do Rio Pardo: (re)conhecendo a região. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2001. P. 100-109.



[1] “(...) empreendedores mais capitalizados que, por estarem envolvidos em atividades muito lucrativas como o tráfico internacional de escravos, o abastecimento interno e as finanças colônias” eram assim denominados. (VOGT, p. 101)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

AVÉ-LALLEMANT EM RIO PARDO

                Em 1858 o médico alemão Robert Avé-Lallemant viajou pela Província do Rio Grande do Sul, e na sua passagem por Rio Pardo descreveu a cidade:
“               Esses baixios e cachoeiras muito dificultam a navegação. Pois, por mais belos que sejam, os afluentes, as inestimáveis veias de vida do Guaíba, formam eles às vezes, nos meses mais pobres de águas, verdadeiros óbices à navegação. Assim o nosso bom Diel, não podendo levar o seu navio além, teve de deixar-nos na margem, meia milha antes de Rio Pardo. Andamos no mato para um lado e para o outro e só ao crepúsculo chegamos ao nosso destino, depois de 39 léguas pelo rio (22 milhas geográficas), inclusive a perda de tempo no nevoeiro noturno e os momentos perdidos em cachoeiras, em brandes desvios – pequenos inconvenientes e aventuras que dão encanto peculiar à navegação fluvial e muito bom humor aos viajantes.
                Mal fizera eu chegar aos respectivos endereços algumas cartas, em Rio Pardo, quando, na mesma noite, a amabilidade de um digníssimo suíço, o senhor Luchzinger, me arrancou à força de minha pequena taberna alemã para liberal hospitalidade germano-helvética de uma casa modesta e bem acomodada, e lá me conservou, embora com o mesmo fim se me tivessem oferecido três outras casas brasileiras.
                A 12 de março tivemos uma perfeita manhã de outono do norte. Fazia frio como em setembro no Báltico; tudo brilhava no orvalho, em volta de mim, porém em pleno esplendor verde, e cintilava particularmente o Jacuí em seu leito na floresta.
                Rio Pardo fica numa elevação sobre o rio, a poucos minutos da margem, com ruas largas e limpas, cujo traçado evidentemente previu o futuro desenvolvimento da cidade. É talvez a cidade mais velha da Província e já em tempos anteriores se desenvolveu com felicidade. Rio Pardo tornou-se e foi o ponto central do alto Jacuí, sendo o caminho para Porto Alegre muito difícil às suas atividades, negociantes e artífices estabeleceram-se em grande número no terreno circunvizinho, surgindo, assim, muitas e importantes casas comerciais.
                O desenvolvimento da navegação, mormente a vapor, trouxe grande prejuízo a esse comércio de intermediários. Os proprietários de terras e os habitantes de lugarejos, que antes quase não podiam pensar em visitar a capital da Província, podiam agora descer o rio com facilidade e rapidez. Deixavam de lado Rio Pardo e iam a Porto Alegre, para fazerem lá as suas compras; seguiram-nos os negociantes, estabeleceram o seu comércio em Porto Alegre, concorrendo para o desenvolvimento da cidade, enquanto Rio Pardo era abandonada.
                Vêem-se em toda parte vestígios desse abandono. Enquanto uma ou outra das ruas principais apresenta quarteirões inteiros de casas e até magníficas residências, várias travessas são formadas de fileiras muito interrompidas de edifícios de muitas janelas e bastante compridos, e vazios. Não mais funcionam as casas comerciais do andar térreo, a parte superior está desabitada; com as casas em ruínas, perde-se um bom capital.
                Por isso, apesar de seus 3.500 habitantes, o lugar é muito silencioso. Raro se vê, aqui e ali, uma carreta, um pesado carro de carga arrastado por quatro ou seis juntas de bois, uma tropa passando pelas ruas. Entretanto, na sua bonita situação, a cidade tem aparência muito agradável e os rio-pardenses são alegres, abastados a todos os respeitos, e muitos deles ao começarem seus empreendimentos pareciam destinados a enriquecer.
                Tem algum movimento uma grande fábrica de mate. O engenho põe em movimento 46 pilões de ferro para a pulverização das folhas e pequenos ramos, o que é feito com muita velocidade, de modo que já de longe se ouve o ruído. A erva, a divina yerba mate dos espanhóis, a centelha divina de Prometeu, pois é chupada, quente, de uma cuia por meio de uma bomba, vem em couros de boi ou em cestas de bambu dos ervais e depois é ensacada em meios couros de boi bem recortados e costurados, para cuja feitura é preciso especial habilidade. Preparam-se por dia mais de 100 arrobas, prontamente vendidas em Buenos Aires. Mais tarde teremos oportunidade de falar mais pormenorizadamente sobre o mate e seus divinos mistérios.
                Há em Rio Pardo duas igrejas, sendo a maior bastante majestosa, um hospital novo, muito bonito, e, que, quando estiver inteiramente concluído, certamente prestará bons serviços. Conta também com um asseado quartel. Entretanto, em tudo isso nada é propriamente imponente.”


AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pela província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. p. 166-7.

domingo, 17 de janeiro de 2016

AÇORIANOS

                Pelo Tratado de 1750 deveriam os povos de Missões passar à coroa portuguesa, em troca da Colônia do Sacramento. Para povoá-los vieram das ilhas muitos casais que ficaram no Rio Grande, na mais cruel das misérias. Somente com a chegada de Gomes Freire foram esses infelizes destinados ao Porto do Dorneles, posteriormente Porto dos Casais (Porto Alegre). À proporção da penetração que a demarcação de limites possibilitou eram estes e outros casais que chegavam, continuamente, designados para povoarem novos postos ocupados pelos portugueses. Passados todos pelo Rio Grande, em 1752, estabeleciam-se em Porto Alegre; em 1755 os destinados às Missões estacionaram em Rio Pardo; em 1757, são arranchados em Santo Amaro. Com a invasão espanhola em Rio Grande, são os daquela vila internados pelo Continente. O Porto dos Casais recebe grande incremento de novos povoadores. Os primeiros retirantes vão-se estabelecer no Estreito, em 1763; Triunfo em 1764, Taquari, em 1766, recebem fundadores açorianos. Só mais tarde, em 1772, funda-se Santana das Lombas, perto de Porto Alegre, que tem vida efêmera; e no ano seguinte os livros de Batismo de Santo Antônio da Patrulha e de Mostardas acusam a existência de casais açorianos.
                De Rio Pardo eles se espalham pela Encruzilhada e Cachoeira, mas já não são lavradores. Estendem-se em largas sesmarias de campos e criam gados. Pequeno número se destina à lavoura e esse pequeno número consegue realizar o milagre de uma intensiva produção de trigo que opulenta a campanha nos fins do século XVIII.


FONTE: PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai, p. 390, in: LAYTANO, Dante de. A cidade e o comércio – Memória documental das origens da economia citadina do antigo município do Rio Grande do Sul ao tempo da colônia e monarquia. Separata dos Anais da Faculdade Católica de Filosofia. Porto Alegre: Livraria Continente, 1948.  p. 219.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

DESMEMBRAMENTOS DE TERRITÓRIO

                O processo de desmembramentos de territórios da Vila de Rio Pardo, criada em 1809 com 156.803 km², começou em 1819, com a emancipação de Cachoeira do Sul. Em 1831 prosseguiu, com a emancipação de parte Triunfo (a outra parte desmembrou-se de Porto Alegre) e de Caçapava do Sul (parte de Rio Pardo e parte de Cachoeira e Piratini); em 1833 com a saída dos territórios que formaram São Borja e Cruz Alta e em 1849 foi a vez de Encruzilhada do Sul reivindicar sua emancipação.
                Em 1877 foi a vez de Santa Cruz do Sul. Criada como colônia alemã em 1849, em terras de Rio Pardo, Santa Cruz do Sul evoluiu rapidamente, desenvolvendo a agricultura e, principalmente, o cultivo de fumo.
                No século XX ocorreram mais três emancipações: Candelária, em 1925; Pantano Grande, em 1987; e Passo do Sobrado em 1992.

FONTE: De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul – Censos RS? 1803 – 1950; Fundação Economia e Estatística. Porto Alegre, 1981.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

COMÉRCIO NO RIO GRANDE DO SUL NOS SÉCULOS XVIII E XIX

                Em 1737 os portugueses fundaram o Presídio de Rio Grande, seu primeiro estabelecimento oficial no Rio Grande do Sul. Em 1767 os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção do comércio do rio da Prata (Colônia de Sacramento), como relata o Conde de Cunha em outubro daquele ano: “(...) este negócio interessa os mineiros que por este modo não pagam quinto; produz grande utilidade aos contrabandistas que o são todos os homens de negócio desta terra, e esta é a causa porque todos se interessam na conservação da Praça, e não porque para ela mandem fazendas que avultem, nem apareçam nas Alfândegas.” (p. 100)
                O Rio Grande do Sul era abastecido pelo Rio de Janeiro e as exportações gaúchas limitavam-se aos couros, trigo, manteiga e queijos em pequenas quantidades, ou seja, o comércio gaúcho estava ligado aos interesses dos comerciantes do Rio de Janeiro e da Colônia de Sacramento.
                 A partir de 1780 as exportações gaúchas incluíam também o charque e seus derivados e ganharam maior importância para o abastecimento interno da América Portuguesa, crescendo rapidamente e chegando a representar entre 28 e 49% do valor das exportações do Rio de Janeiro para Portugal no período 1802-1807. No mercado interno, os produtos gaúchos distribuíam-se pelas praças do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.
                O grupo mercantil que atuou no Rio Grande do Sul nesse período era quase todo proveniente de comerciantes portugueses que se estabeleceram primeiramente no Rio de Janeiro e iniciaram sua carreira na Colônia de Sacramento e a seguir criaram vínculos com o Rio Grande do Sul, mas os que conseguiam os melhores resultados retornavam para o Rio de Janeiro.  Os comerciantes “de menor cabedal e necessariamente mais aventureiros, acabavam por se fixar definitivamente na fronteira do sul, acompanhando sua expansão. Antônio Alves Guimarães saiu em 1750 de Portugal para o Rio de Janeiro para ali estabelecer algum comércio; passou com seu negócio de fazendas para o porto de Rio Grande e depois para a povoação de Rio Pardo e continuou com o mesmo modo de vida para as Missões do Uruguai na Expedição que então fazia o Conde de Bobadela. Foi, portanto, um comerciante que acompanhou o exército português na campanha de demarcação de limites e n a guerra guaranítica. Acabada esta, voltou com seu negócio ao quartel de Rio Pardo.” (p. 102)
                Por volta de 1794 o negociante do Rio de Janeiro Antônio Luís Escova Araújo mantinha negócios em Lisboa, Porto, Angola, Açores, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. “(...) para Lisboa negociava em remessas de couro, açúcar e dinheiro, para o Porto arroz e em dinheiro; para as ilhas, açúcares, farinhas, aguardente, melado e algodão; para Angola em algumas aguardentes da terra e das ilhas; para o Rio Grande (...) em uma sumaca fazia lastro de aguardentes e molhados e algumas outras coisas de encomenda e que também negociava para Porto Alegre para onde remetia ao seu corresponde André Alves Pereira os gêneros que ele lhe pedia, e da mesma para o seu correspondente em Rio Pardo, Mateus Simões Pires.” (AHU, RJ, Cx. 156, doc. 69 – 22/7/1794). Os comerciantes recebiam de Lisboa e do Porto fazendas e molhados; das ilhas aguardentes, vinho, panos de linho; de Angola, escravos. Para Rio Grande e Santa Catarina mandava miudezas e gêneros da Europa: cabos, alcatrão, breu[1], pregos, estopas[2], bertanhas[3], olandas[4], linhos, fitas e escravos.

FONTE: OSÓRIO, Helen. Comerciantes do Rio Grande de São Pedro: formação, recrutamento e negócios de um grupo mercantil da América Portuguesa. In: Revista Brasileira de História, nº 39, Vol 20. Associação Nacional de História, São Paulo: ANPUH/Humanitas Publicações, 2000. P. 99-116.
               




[1] Betume artificial composto de sebo, resina e outros ingredientes, usado para impermeabilizar o tabuado de navios; substância obtida pela destilação do alcatrão da hulha; piche.
[2] Produto derivado do linho, sendo aproveitada de diversas formas: cordoaria, calafetagem, na confecção de vestuário, limpeza e conservação de veículos, limpezas de graxas e resíduos químicos em geral.
[3] Tecido muito fino, de algodão ou linho.
[4] Tecido muito fino, fabricado na Holanda.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

RIO PARDO: TRANSPORTES E COMÉRCIO
                A divisão administrativa da Capitania de São Pedro feita em 1809 mostrava que o povoamento era mais intenso na zona costeira, nas margens da Lagoa dos Patos e beiras do Jacuí até Cachoeira, registrando-se a existência de quatro municípios: Porto Alegre, com as paróquias de Madre de Deus, Viamão, Triunfo e Anjos da Aldeia; Rio Grande, com as paróquias de Rio Grande, Conceição do Estreito e Mostarda; Rio Pardo, com as paróquias de Rio Pardo, Santo Amaro, São José do Taquari e Cachoeira; e Santo Antônio da Patrulha, com as paróquias de Patrulha, Conceição do Arroio e Vacaria.
                Para a Campanha cresciam as estâncias e na costa sul as charqueadas se multiplicavam. A vila de Rio Pardo, bem a oeste de Porto Alegre, e na margem do rio Jacuí, ganhara foros de importante entreposto, pois ali cessava a navegação fluvial, e o transporte de mercadorias – como notara Dreys em 1837 – prosseguia por terra até o Ibicuí e Arapeí, de um lado, e até o Uruguai, de outro, por meio de carros puxados por três, quatro ou mais juntas de bois. Atingia-se, assim, o vasto território das Missões, para onde levavam todas as fazendas, gêneros alimentícios e líquidos necessários. Por volta de 1858 Avé-Lallemant observava a decadência do antigo entreposto de Rio Pardo, em consequência da navegação a vapor no Jacuí, facilitando a comunicação direta de várias zonas do interior (São Jerônimo, Taquari e Cachoeira) com Porto Alegre. A partir de 1874 foi inaugurada uma linha de estrada de ferro regular, ligando a colônia alemã de São Leopoldo à capital e em 1880 outra, que estendia o caminho de ferro a Cachoeira, prolongado em 1885 até Santa Maria, diminuindo ainda mais o movimento do porto de Rio Pardo.


FONTE: RIEDEL, Diaulas (org.). O pampa e os cavaleiros (Rio Grande do Sul). São Paulo: Ed. Cultrix, 1959.