quinta-feira, 9 de março de 2017

RIO PARDO

(Especial para o “Correio do Povo”)
WALTER JOBIM  
Os portugueses instalaram a Fortaleza Jesus Maria José à margem esquerda do Jacuí, quase na confluência do rio Pardo e daquela posição privilegiada, dominadora de todos os quadrantes, os Dragões de Rio Pardo constituíam o reduto de resistência na defesa contra a invasão castelhana. Inexpugnável, ela passou à História como a “Tranqueira Invicta” e constituiu a ponta de lança na distensão de nossas fronteiras. Dali partiram as tropas que incorporaram as Missões aos domínios portugueses.
Veio a paz, os  anos se passaram e a fortaleza transformou-se  apenas em símbolo daquele passado de glórias, mas não resistiu à inclemência do tempo e muito menos à inclemência dos homens, logo se transformando em ruínas.
Em 1865 o Imperador D. Pedro II veio ao Rio Grande do Sul para assistir a rendição das tropas paraguaias e visitou Rio Pardo. Para melhor receber o Imperador, a Câmara Municipal decidiu aproveitar as pedras da velha Fortaleza para calçar a rua da Ladeira. Querendo dar mostras ao grande Imperador de suas nobres virtudes, decidiu a Câmara Municipal aproveitar as pedras do velho forte e fazer o calçamento da Ladeira que vai da Catedral ao paço municipal. Não dispondo de recurso apelou para o povo. E o povo, desprendido como sempre, lhe deu integral cooperação: grande parte ajudou no transporte do material, os proprietários pagaram o custo da pavimentação.
D. Pedro II, com a singeleza que o caracterizava, e carinhosamente recebido pelo povo, louvou as excelsas virtudes da gente e o progresso da cidade. Jamais lhe passou pela mente de encontrar, nos extremos do Sul, tanto adiantamento. Sobretudo, o calçamento lhe chamou a atenção. O Presidente da Câmara contou o ocorrido.
D. Pedro louvou o desprendimento de seu povo. Mais tarde a sós com o Presidente da Câmara disse: “Se lhe posso fazer uma solicitação, que venha coroar toda essa fidalguia, peço que tão logo a Câmara Municipal tenha recursos, devolva aos proprietários o pagamento do calçamento. A rua é pública, ao Governo da cidade é que cabe satisfazer o custo da obra. Não é justo que alguns paguem de seu bolso o que pertence e beneficia a todos. Um dos dias mais felizes será aquele em que receber, dessa Augusta Câmara, a comunicação de haver cumprido tão nobre dever.”
Toda a Câmara se comprometeu a atender tão grave ponderação. E os compromissos naquele tempo eram sagrados. Pouco tempo depois, recebia sua Majestade a almejada participação.
Acontecimento tão expressivo ficou na memória da cidade. Ouvi o relato de um de seus filhos mais ilustres – Andrade Neves Neto.
Há pouco quando um Prefeito irrefletido resolveu arrancar o velho calçamento, Rio Pardo foi abalado de intensa comoção. Aquilo é um patrimônio sagrado que não pode ser jogado ao monturo. A tradição indormida fez estremecer o espírito daquela nobre gente.
O passado é culto, é respeito, é relíquia que não se malbarata.
Atendendo ao justo apelo de Glicério Alves, rio-pardense de altivo ânimo e devotamento sem par, decretou o Governo sua incorporação ao patrimônio histórico da Nação. Estará sob a guarda do poder público e a vigilância de toda a cidade. Nenhum iconoclasta terá a audácia de repetir o atentado.
Foi um toque de sensibilidade que percutiu fundo no coração daquela pobre gente. Aquelas pedras tem um valor material insignificante: não foi essa ninharia que os preocupou. Muito mais poderiam contribuir para aplacar as iras da Prefeitura. O valor, o inigualável valor, que elas representam está no seu simbolismo. São testemunhos mudos porém de profunda eloqüência. Vem da formação da cidade heróica. Constituíram o bastião de sua defesa, jamais violada. Contemplaram a passagem de muitas gerações. Quantos sonhos rolaram sobre sua rija superfície. Foram animadoras de todas as esperanças. Constituíram sempre aquela fé viva de um patriotismo que nunca se entibiou. 

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