(Especial para o “Correio do Povo”)
WALTER JOBIM
Os portugueses
instalaram a Fortaleza Jesus Maria José à margem esquerda do Jacuí, quase na
confluência do rio Pardo e daquela posição privilegiada, dominadora de todos os
quadrantes, os Dragões de Rio Pardo constituíam o reduto de resistência na
defesa contra a invasão castelhana. Inexpugnável, ela passou à História como a
“Tranqueira Invicta” e constituiu a ponta de lança na distensão de nossas
fronteiras. Dali partiram as tropas que incorporaram as Missões aos domínios
portugueses.
Veio a paz, os anos se passaram e a fortaleza transformou-se apenas em símbolo daquele passado de glórias,
mas não resistiu à inclemência do tempo e muito menos à inclemência dos homens,
logo se transformando em ruínas.
Em 1865 o
Imperador D. Pedro II veio ao Rio Grande do Sul para assistir a rendição das
tropas paraguaias e visitou Rio Pardo. Para melhor receber o Imperador, a
Câmara Municipal decidiu aproveitar as pedras da velha Fortaleza para calçar a
rua da Ladeira. Querendo dar mostras ao grande Imperador de suas nobres
virtudes, decidiu a Câmara Municipal aproveitar as pedras do velho forte e
fazer o calçamento da Ladeira que vai da Catedral ao paço municipal. Não
dispondo de recurso apelou para o povo. E o povo, desprendido como sempre, lhe
deu integral cooperação: grande parte ajudou no transporte do material, os
proprietários pagaram o custo da pavimentação.
D. Pedro II, com
a singeleza que o caracterizava, e carinhosamente recebido pelo povo, louvou as
excelsas virtudes da gente e o progresso da cidade. Jamais lhe passou pela
mente de encontrar, nos extremos do Sul, tanto adiantamento. Sobretudo, o
calçamento lhe chamou a atenção. O Presidente da Câmara contou o ocorrido.
D. Pedro louvou
o desprendimento de seu povo. Mais tarde a sós com o Presidente da Câmara
disse: “Se lhe posso fazer uma solicitação, que venha coroar toda essa
fidalguia, peço que tão logo a Câmara Municipal tenha recursos, devolva aos
proprietários o pagamento do calçamento. A rua é pública, ao Governo da cidade
é que cabe satisfazer o custo da obra. Não é justo que alguns paguem de seu
bolso o que pertence e beneficia a todos. Um dos dias mais felizes será aquele
em que receber, dessa Augusta Câmara, a comunicação de haver cumprido tão nobre
dever.”
Toda a Câmara se
comprometeu a atender tão grave ponderação. E os compromissos naquele tempo
eram sagrados. Pouco tempo depois, recebia sua Majestade a almejada
participação.
Acontecimento
tão expressivo ficou na memória da cidade. Ouvi o relato de um de seus filhos
mais ilustres – Andrade Neves Neto.
Há pouco quando
um Prefeito irrefletido resolveu arrancar o velho calçamento, Rio Pardo foi
abalado de intensa comoção. Aquilo é um patrimônio sagrado que não pode ser
jogado ao monturo. A tradição indormida fez estremecer o espírito daquela nobre
gente.
O passado é
culto, é respeito, é relíquia que não se malbarata.
Atendendo ao
justo apelo de Glicério Alves, rio-pardense de altivo ânimo e devotamento sem
par, decretou o Governo sua incorporação ao patrimônio histórico da Nação.
Estará sob a guarda do poder público e a vigilância de toda a cidade. Nenhum
iconoclasta terá a audácia de repetir o atentado.
Foi um toque de
sensibilidade que percutiu fundo no coração daquela pobre gente. Aquelas pedras
tem um valor material insignificante: não foi essa ninharia que os preocupou.
Muito mais poderiam contribuir para aplacar as iras da Prefeitura. O valor, o
inigualável valor, que elas representam está no seu simbolismo. São testemunhos
mudos porém de profunda eloqüência. Vem da formação da cidade heróica.
Constituíram o bastião de sua defesa, jamais violada. Contemplaram a passagem
de muitas gerações. Quantos sonhos rolaram sobre sua rija superfície. Foram
animadoras de todas as esperanças. Constituíram sempre aquela fé viva de um
patriotismo que nunca se entibiou.
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