Quando esteve
na Inglaterra, acompanhando a construção do navio “Minas Gerais”, o marinheiro
João Cândido mandou pintar um perfil a carvão do Presidente Nilo Peçanha. Graças
à interferência do Almirante Alexandrino de Alencar, Ministro da Marinha, cuja
família em Rio Pardo muito o protegeu na infância, João Cândido foi o único
marinheiro em toda a história do Brasil a conseguir uma audiência com o
Presidente da República. Entregou o quadro e, em nome de milhares de marinheiros, aproveitou a oportunidade para pedir a
abolição do uso da chibata na Armada. A audiência aconteceu em maio de 1910. Nada
foi feito para mudar a situação e em 22 novembro de 1910 João Cândido liderou a
Revolta da Chibata, prontamente reprimida pelas autoridades militares, com
prisão dos marinheiros envolvidos.
Durante seu
julgamento, João Cândido relatou: “Sou filho de João Cândido Velho e Ignácia
Cândido Velho. Peço que fique consignada uma retificação. Não sou argentino,
conforme foi dito e escreveram. Sou brasileiro”. Relatou ter nascido na “vila
de Encruzilhada, no Rio Pardo, no Rio Grande do Sul.”
Cumprida sua
pena, “desligado da Marinha, à qual serviu 19 anos, João Cândido saiu da prisão
com os pulmões avariados pela tuberculose, sem roupa, com um par de botinas,
enfim: um trapo humano. Os seus irmãos, em número de 8, estavam espalhados pelo
mundo. Pensou em voltar para a sua terra natal, a cidade de Rio Pardo. Chegou a
escrever uma carta para um antigo companheiro de infância, relatando a sua
situação de penúria.”
Ele relembrou
esta tentativa de contato: “Era o Protásio, um rapaz criado junto comigo pela
família do Almirante Alexandrino de Alencar, que protegeu meus pais e irmãos. A
casa dos Alencar era toda branca, com um sobradinho e construída numa pequena
elevação. O Protásio ganhou dinheiro e comprou umas terras no Arroio do Couto.”
Teve ímpeto de
embarcar num navio qualquer e desembarcar em Porto Alegre, onde poderia
conseguir um emprego numa das companhias de navegação que exploram o transporte
fluvial entre a capital gaúcha e Rio Pardo. Seus minúsculos portos, às margens
do Jacuí, eram seus velhos conhecidos, desde o tempo de infância,
principalmente o das Pombas, destinado exclusivamente ao embarque do arroz, e o
Pederneiras, escoadouro de rica zona da pecuária e agricultura.
Durante um mês
esperou, em vão, pela resposta da carta. Escreveu para Vicente Lameirão, cria
da família do Barão de Ramiz Galvão, que então brilhava nas letras, no Rio de Janeiro.
Rio Pardo não
era clima para João Cândido, ignorado pela sua população. Cidade de Barões e Viscondes,
célula morta da decadente aristocracia rural, seus colegas de infância eram
quase todos criados e peões das famílias mais poderosas da terra, como a do
General José Joaquim de Andrade Neves, o Barão do Triunfo, cujos netinhos já
nasciam generais; Frutuoso Borges da Fontoura, Tenente-Coronel da República
farrapa; Marechal João de Deus Mena Barreto, Visconde de São Gabriel; Antônio Manoel
Correia da Câmara, o Visconde de Pelotas; Afonso José de Almeida Corte Real,
Comandante Superior da Guarda Nacional de Rio Pardo; General Bento Correia da
Câmara, o “Herói de Taquarembó” e, por fim, Felisberto Pinto Bandeira, Ministro
da Ordem Terceira de São Francisco... .
Chegou a
embarcar no patacho “Antonico”, viajando até São Francisco, em Santa Catarina e
foi timoneiro daí até a Lagoa dos Patos.
Aproveitou a
estada do barco no sul e ensaiou uma viagem a Porto Alegre, de onde daria um pulo
até Rio Pardo, que não via há muito tempo. No Cemitério do Potreiro de Nossa
Senhora deveria estar o túmulo dos seus pais. Na Matriz, sua velha conhecida e,
no altar de Nossa Senhora do Rosário, sua santa de devoção, padroeira da cidade
e dos negros, a mesma ordem que custeou a sua defesa, acenderia uma vela,
promessa feita no calabouço, na trágica noite de Natal de 1910[1].
A casa do
Marechal-de-Campo João de Castro e Canto e Melo, marechal por obra e graça de
sua irmã, a irrequieta Marquesa de Santos, estaria ainda de pé? Nada daquilo
lhe interessava. Ele só queria ver o sobradinho dos Alencar, na Rua General
Osório, ao lado do teatro, parte de sua infância. Ali ele descansava das longas
caminhadas pelos sertões, em companhia do pai.
Mas o plano não
foi executado: houve um contratempo e a viagem fracassou...
REFERÊNCIAS:
MOREL,
Edmar. A Revolta da Chibata. Rio de Janeiro: Editora Letras e Artes, 1963. 2.
Ed.
[1] Foi preso em 13 de Dezembro no quartel do exército, e transferido no dia
de natal (24 de dezembro de 1910) para uma masmorra na Ilha das Cobras, onde 16
de seus 17 companheiros de cela morreram asfixiados
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