domingo, 17 de maio de 2020

CARTA DE ALEXANDRINO DE ALENCAR


A carta de Alexandrino, reproduzida a seguir, foi redigida seis dias após o combate de Passo Fundo. Ante o revés sofrido pelas forças federalistas, as perspectivas da revolução são desanimadoras. Seu filho, Armando, com 8 anos de idade, está sendo criado, em Rio Pardo, pela sua irmã Evangelina e seu cunhado, João Carlos Leitão da Rocha, fazendeiro e chefe político no município.
Alexandrino escreve em tom de despedida, pois receia  morrer a qualquer momento. Faz, por isso, um pedido ao filho; outro, ao cunhado e à irmã. Envia-lhes, também, a resposta à ordem do dia, do chefe da esquadra legalista, relativamente ao comportamento, seu e da guarnição do Aquidaban, quando do torpedeamento do navio – documento que tornará público quando chegar a Montevidéu.

Vila da Soledade, 3 de julho de 1894
Meu querido filho Armando,
Meu cunhado e minha irmã:
A fatalidade dos acontecimentos revolucionários me aproximou de vocês: entretanto, não posso chegar até Rio Pardo! Como se cobre de tristeza minha alma, já cansada pelos sofrimentos morais e físicos que vêm de longe!
Meu filho: quanto sinto não poder te abraçar; talvez, nestes meus últimos dias de vida! Se assim for, procura, por todos os meios, localizar meu cadáver e conduzir meus ossos para o túmulo da mamãe[1], no Rio de Janeiro, de modo que ainda possa juntar-me a ela pela matéria, já que a alma deve evolar-se para regiões desconhecidas. Envio-te, bem como a meu cunhado, uma resposta ao miserável chefe da esquadra[2] do tirano[3], relativamente ao último episódio do Aquidaban (navio que comandei no período revolucionário da Esquadra Libertadora), justificando, perante a História, o comportamento de sua guarnição e o meu, na emergência difícil em que nos achávamos.
Para isso, declaro que os escravos do tirano são infames duas vezes, porque mentem como lacaios para receber as graças do Senhor, adulterando os fatos e caluniando aqueles que, sem ambição, lutam pela liberdade de sua Pátria. Quero que esta minha justificação seja publicada em ocasião oportuna, de modo a poder desmascarar a ordem do dia daquele infame chefe, que nos atirou o labéu[4] de covardes, mas que fugiu do local, onde se deu a surpresa – comprada pela traição.
Como simples cidadão, estou combatendo em terra, depois de ter me batido  no mar durante sete meses. Acabo de participar, no dia 27 de junho, do grande combate de Passo Fundo, carregando com a cavalaria sobre o inimigo. Deus me protegeu de tal modo que só tive o meu cavalo fora de combate. Dizem os revolucionários que este foi o encontro mais sangrento havido até hoje em solo rio-grandense.
Assim, filho querido, tenho cumprido o meu dever duplamente, lutando contra as forças de um tirano que, pelo dinheiro e pela corrupção, tenta esmagar os caracteres dos homens de nossa Pátria.
Se vier a  morrer nesta luta, meu querido filho, deixo um nome puro e sem mácula. Nela lancei-me porque entendi que se impunha sacrificar o bem-estar da família pelo futuro do Brasil. Se o futuro não corresponder à expectativa, eu pelo perdão de ficares tão pobre, porém Deus saberá proteger-te. Não imaginas a dor profunda que sinto ao lembrar-me de tuas duas irmãs – sem mãe e, talvez sem pai muito breve. Trago os retratos de vocês junto ao meu coração, dentro da camisa, e isso tem sido meu talismã nos combates. Assim, quem sabe, Deus queira me dar ainda a dita de abraçar e beijá-los em breve.
Estou nas forças do General Prestes[5] porque o ambiente é bem brasileiro; o outro, em que vivi dois meses[6], nada me agradou sob todos os pontos de vista; mais tarde poderei explicar as razões.
Adeus, meu querido filho, recebe a minha bênção e o meu coração. Transmite às tuas irmãs, Evangelina e Amália, a minha alma, cheia de saudades e tranzida de dor.
Meu cunhado e minha irmã: façam de meu filho um bom cidadão, um bom amigos e um bom republicano.
(a)    Alexandrino

REFERÊNCIA: ALENCAR, Carlos Ramos de. Alexandrino, o grande marinheiro (1848/1926): a vida do Almirante Alexandrino de Alencar à luz de documentos históricos e de outros inéditos, pertencentes ao arquivo particular da família. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1989.


[1] Ana Ubaldina Faria de Alencar. Faleceu no Rio de Janeiro em 2 de março de 1894, durante a Revolta da Armada.
[2] Almirante Jerônimo Gonçalves
[3] Marechal Floriano Peixoto
[4] Desonra
[5] General Prestes Guimarães
[6] General Gumercindo Saraiva

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