A carta de Alexandrino, reproduzida a seguir, foi
redigida seis dias após o combate de Passo Fundo. Ante o revés sofrido pelas
forças federalistas, as perspectivas da revolução são desanimadoras. Seu filho,
Armando, com 8 anos de idade, está sendo criado, em Rio Pardo, pela sua irmã
Evangelina e seu cunhado, João Carlos Leitão da Rocha, fazendeiro e chefe
político no município.
Alexandrino escreve em tom de despedida, pois
receia morrer a qualquer momento. Faz,
por isso, um pedido ao filho; outro, ao cunhado e à irmã. Envia-lhes, também, a
resposta à ordem do dia, do chefe da esquadra legalista, relativamente ao
comportamento, seu e da guarnição do Aquidaban, quando do torpedeamento do
navio – documento que tornará público quando chegar a Montevidéu.
Vila da Soledade, 3 de julho de 1894
Meu querido filho Armando,
Meu cunhado e minha irmã:
A fatalidade dos acontecimentos revolucionários me
aproximou de vocês: entretanto, não posso chegar até Rio Pardo! Como se cobre
de tristeza minha alma, já cansada pelos sofrimentos morais e físicos que vêm
de longe!
Meu filho: quanto sinto não poder te abraçar; talvez,
nestes meus últimos dias de vida! Se assim for, procura, por todos os meios,
localizar meu cadáver e conduzir meus ossos para o túmulo da mamãe[1],
no Rio de Janeiro, de modo que ainda possa juntar-me a ela pela matéria, já que
a alma deve evolar-se para regiões desconhecidas. Envio-te, bem como a meu
cunhado, uma resposta ao miserável chefe da esquadra[2]
do tirano[3],
relativamente ao último episódio do Aquidaban (navio que comandei no período
revolucionário da Esquadra Libertadora), justificando, perante a História, o
comportamento de sua guarnição e o meu, na emergência difícil em que nos
achávamos.
Para isso, declaro que os escravos do tirano são
infames duas vezes, porque mentem como lacaios para receber as graças do
Senhor, adulterando os fatos e caluniando aqueles que, sem ambição, lutam pela
liberdade de sua Pátria. Quero que esta minha justificação seja publicada em
ocasião oportuna, de modo a poder desmascarar a ordem do dia daquele infame
chefe, que nos atirou o labéu[4]
de covardes, mas que fugiu do local, onde se deu a surpresa – comprada pela
traição.
Como simples cidadão, estou combatendo em terra,
depois de ter me batido no mar durante
sete meses. Acabo de participar, no dia 27 de junho, do grande combate de Passo
Fundo, carregando com a cavalaria sobre o inimigo. Deus me protegeu de tal modo
que só tive o meu cavalo fora de combate. Dizem os revolucionários que este foi
o encontro mais sangrento havido até hoje em solo rio-grandense.
Assim, filho querido, tenho cumprido o meu dever
duplamente, lutando contra as forças de um tirano que, pelo dinheiro e pela
corrupção, tenta esmagar os caracteres dos homens de nossa Pátria.
Se vier a
morrer nesta luta, meu querido filho, deixo um nome puro e sem mácula.
Nela lancei-me porque entendi que se impunha sacrificar o bem-estar da família
pelo futuro do Brasil. Se o futuro não corresponder à expectativa, eu pelo
perdão de ficares tão pobre, porém Deus saberá proteger-te. Não imaginas a dor
profunda que sinto ao lembrar-me de tuas duas irmãs – sem mãe e, talvez sem pai
muito breve. Trago os retratos de vocês junto ao meu coração, dentro da camisa,
e isso tem sido meu talismã nos combates. Assim, quem sabe, Deus queira me dar
ainda a dita de abraçar e beijá-los em breve.
Estou nas forças do General Prestes[5]
porque o ambiente é bem brasileiro; o outro, em que vivi dois meses[6],
nada me agradou sob todos os pontos de vista; mais tarde poderei explicar as
razões.
Adeus, meu querido filho, recebe a minha bênção e o
meu coração. Transmite às tuas irmãs, Evangelina e Amália, a minha alma, cheia
de saudades e tranzida de dor.
Meu cunhado e minha irmã: façam de meu filho um bom
cidadão, um bom amigos e um bom republicano.
(a)
Alexandrino
REFERÊNCIA: ALENCAR,
Carlos Ramos de. Alexandrino, o grande marinheiro (1848/1926): a vida do
Almirante Alexandrino de Alencar à luz de documentos históricos e de outros
inéditos, pertencentes ao arquivo particular da família. Rio de Janeiro:
Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1989.
[1] Ana Ubaldina Faria de Alencar. Faleceu no Rio de
Janeiro em 2 de março de 1894, durante a Revolta da Armada.
[2] Almirante Jerônimo Gonçalves
[3] Marechal Floriano Peixoto
[4] Desonra
[5] General Prestes Guimarães
[6] General Gumercindo Saraiva
Nenhum comentário:
Postar um comentário