domingo, 6 de outubro de 2019

O RIO GRANDE DO SUL NA VISÃO DE UM EUROPEU


É digno de lástima que todas essas belas planícies baixas do Jacuí e de outros rios estejam expostas à inundações frequentes; isto é um obstáculo até agora sem solução para a sua cultura e ao mesmo tempo obriga os habitantes das proximidades que possuem animais, a ter grandes extensões de terreno a fim de os poder retirar para as elevações no tempo das inundações.
Este inconveniente prejudica ao mesmo tempo a agricultura e a população.
E como a ambição dos estancieiros consiste em possuir grandes rebanhos, de cinco, dez e trinta mil cabeças de gado, resulta que procuram possuir a maior extensão possível de campo; deste modo não é raro ver-se estâncias, sobretudo nas Missões e na parte vizinha da Banda Oriental, de dez, vinte e trinta léguas ou mais de extensão.
E se não obtêm todos esses vastos terrenos a título de concessão de parte do governo, compram de seus vizinhos pobres as terras que os rodeiam e se livram assim de qualquer concorrência inoportuna.
Conclui-se, facilmente, que essa repartição de uma grande extensão da região nas mãos de um só indivíduo ou de uma só família deve retardar consideravelmente o progresso da população.
Responderão talvez a isso que as grandes propriedades se dividirão necessariamente pela divisão das famílias; mas quantos séculos seriam necessários para povoar como uma província dos Estados Unidos, por exemplo, as quinze mil léguas quadradas que pode ter a província do Rio Grande?...
Pois não tem senão sessenta mil almas, depois de mais de duzentos anos de fundação!
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O governo brasileiro quis de alguma maneira, remediar esse grave inconveniente (para não dizer abuso), fazendo uma lei proibindo a concessão ao mesmo indivíduo de mais de uma sesmaria; a sesmaria foi fixada em três léguas em todos os sentidos, mas parece que não se cumpre rigorosamente, além do que, como despojar de seus direitos, sem injustiça flagrante, os grandes proprietários que adquiriram e ainda adquirem terras?
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Por todas essas razões, uma grande quantidade de sítios encantadores, terrenos muito férteis, muito próprios para a cultura de cereais, algodão, cana de açúcar, café e mandioca, ficarão ainda por muito tempo sem outros habitantes a não ser bois, carneiros, mulas e cavalos.
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O pouco de cultura que se faz nas chácaras, fazendas e em redor das estâncias, consiste unicamente em plantar mandioca, semear milho, feijão, arroz e alguns legumes, o suficiente para as necessidades da família e sem se dar muito trabalho.
O jardim, ou campo cultivado, acha-se mais comumente colocado no meio de um mato a fim de preservá-lo da invasão do gado; é o que se chama roça ou roçado.
Por isto se contentam em derrubar grandes árvores no meio dos matos, queimar o pé para destruir as raízes e revolver em seguida ligeiramente a terra; a natureza, essa excelente e previdente mãe, faz o resto.
Todos os trabalhos de agricultura se limitam mais ou menos a isso na província do Rio Grande e também nas outras províncias do rico e fértil Brasil.
No entanto notei exceções; encontram-se alguns roçados melhor cuidados do que outros e cultivados à maneira das nossas hortas; mas é necessário confessar que isso é raro e que não se vê senão em casas de europeus.
Se os animais fazem insignificante destruição no cercado, há o inconveniente dos pássaros, dos papagaios sobretudo, dos macacos e outros animais, o que é muito difícil de remediar; por outra parte, ocupam-se pouco nisto.


REFERÊNCIA:
ISABELLE, Arsène. Viagem do Rio Grande do Sul. (1833-1834). Porto Alegre: Martins Livreiro-Editor, 1983. p. 42-44.

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