1ª parte
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Antiga Igreja São Nicolau |
... A ERVA – MATE
Em 1823, o índio Miguel Guaraci saiu da Aldeia de São
Nicolau, onde era capitão, para ir à Rio Pardo encaminhar à presidência da
Província um documento no qual manifestava a preocupação de indígenas Guarani
com o futuro de suas terras e atividades comerciais e agrícolas. Através de um
requerimento, ele solicitou que o privilégio da extração da erva- mate fosse
mantido. Ao alegar que o privilégio havia sido concedido há mais de cinquenta
anos por ordem do governador que atuava naquela época, José Marcelino de
Figueiredo, Miguel demonstrou que os índios pensavam sobre o futuro e conheciam
sobre seu passado. O governador havia se preocupado com a fuga dos índios e
índias e era consciente dos fluxos e dos paradeiros deles. Tentou reunir índios
dispersos no aldeamento de São Nicolau de Rio Pardo concedendo aos aldeados o
monopólio do Plantio, colheita e comercialização da Erva-mate. Assim, quando o
despacho dado pelo governador era infringido por aqueles que, nas palavras de
Miguel, “não pertencem à sua classe”, a erva-mate era apreendida. De acordo com
ele, o privilégio outrora concedido era necessário para a manutenção das
despesas dos índios. A menção de pertencimento a uma “classe” que era entendida
como “sua” por parte do capitão da Aldeia é interessante, visto que ele estava
acompanhado por “lavradores” de acordo com o título do requerimento. As
relações de produção das quais os índios participavam e o tipo de trabalho que
realizavam foi levado em conta quando se organizaram para fazer o requerimento.
O cultivo e o comércio da erva-mate foram atividades de destacada importância
econômica da Província. É importante levar em conta que a erva era um produto
que (Garavaglia, 1983, p. 37)
en un momento determinado de La
vida de La sociedad indígena era consumido casi exclusivamente com fines
ceremoniales y religiosos y que debia estar,por ló tanto, rodeado de um cierto
halo prestigioso, AL cortarse muchos de lós primitivos lazos culturales que
limitaban su utilización ritual, era medicina mágic expande rápidamente su
consumo em amplios sectores indígenas e inmediatamente mestizos.
Durante o século
XVIII e XIX, o consumo de erva-mate se estendeu por praticamente todo o
território da Província e o costume indígena se tornou um hábito cultural entre
os demais habitantes, como mencionou o viajante francês Augusto Saint-hilaire
em várias passagens do seu diário de viagem. A erva-mate estava amplamente
difundida entre aqueles que não eram guaranis. Mas a aura de prestígio e os
laços culturais ligados aos seus costumes se transformaram. As ervas de melhor
qualidade costumavam ser exportadas para Buenos Aires, onde os membros da elite
se diferenciavam dos demais consumidores através do material de que eram feitas
suas bombas e cuias, entre eles o ouro e a prata (Garavaglia, 1983,
p.37). Contudo, relações sociais que envolviam posições de prestígio e
privilégio continuaram a fazer parte dos novos rituais de consumo da bebida e
do processo de fabricação. De acordo com Avé-Lallemant, outro viajante que
passou pela vila algumas décadas depois, o lugar mais agitado de Rio Pardo era
uma grande fábrica de mate, onde um grande número de arrobas eram diariamente
preparadas para a venda em Beunos Aires(AVÉ-LALLEMANT,)1980,p.167).
O senso comum que costuma vincular os índios à inaptidão
para o trabalho e ao atraso ainda está presente em alguns livros de história.
Porém, os indígenas de São Nicolau do Rio Pardo não pareciam estar tão
afastados do que era tido como o progresso da região. Afinal, o monopólio do
plantio, colheita e comércio da erva- mate foi um privilégio concedido e a eles
ainda no século XVIII e continuou sendo uma das principais atividades
comerciais de Rio Pardo ao longo do século XIX. Eles usaram estratégias
variadas para garantir a exclusividade no trabalho com a mesma. De acordo com
Miguel Guaraci, as terras na terras na serra geral, onde guaranis cultivavam a
erva mate, estavam sendo divididas em lotes dados ou vendidos a diversas
pessoas. Os índios de São Nicolau do Rio Pardo sentiram na prática os efeitos
da lei de 1822, com a qual “extingue-se a doação de sesmarias no Brasil e
intensifica-se, dessa forma, a posse desordenada e a aglutinação de terras por
particulares” (KLIEMANN, 1986, p.18). Miguel reivindicou o privilégio sobre a
produção e o comércio da erva-mate e, ao mesmo tempo, requereu o controle e a
posse sobre as terras do aldeamento. Tal controle se tornava possível através do
acionamento dos diferenciais que garantiam a eles privilégios e direitos. A s
referencias feita por Miguel aos pretéritos e o conhecimento que ele possuía
sobre as experiências coletivas pelas quais o aldeamento havia passado o ajudou
a atuar na administração daquele território, contribuindo para que a aldeia
permanecesse sendo um espaço utilizado por índios guaranis ao longo dos três
primeiros quartéis do Oitocentos. Ressaltamos que, se São Nicolau do Rio Pardo
foi um espaço eminentemente indígena no decorrer do século XIX, isso também se
deu graças ao acionamento de uma identidade coletiva. As vendas e as
apropriações das terras e das propriedades tidas como patrimônio do aldeamento começaram
a ocorrer, sobretudo, após 1820, conforme as fontes consultadas. Em 1823,
Miguel também questionou se os demais “nacionais” poderiam utilizar as terras
da serra, onde estavam suas plantações, para a finalidade de comercializar a
erva-mate, já que o monopólio pertencia aos índios. Nesse período, grande parte
das disputas pela posse de terras e territórios de Rio Pardo se dava entre os
índios e os “nacionais”.
Em 1825, os guaranis
de São Nicolau do Rio Pardo conseguiram a posse das terras onde havia
plantações de erva-mate. Pelo que as fontes indicam, essas terras eram parte de
um território maior de onde os guaranis já extraíam a erva...
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Doc. AHM sobre a Aldeia São Nicolau-1849 |
FONTE: Na Fronteira do Império, política e sociedade na Rio
Pardo oitocentista. Melo,Karina Moreira Ribeiro da Silva e . EDUNISC, 2018.
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