domingo, 10 de março de 2019

SAINT-HILAIRE EM RIO PARDO (1)


RIO PARDO, 29 de abril de 1821, uma légua - “Entre a casa donde venho esta manhã e Rio Pardo, a região é desigual e sempre cortada de pastagens e bosquetes. Mal me pus em marcha, comecei a avistar a cidade de Rio Pardo, situada no cimo de uma colina, ao pé da qual corre o rio que lhe dá seu nome. Chegado a esse rio, atravessei-o com Matias. O vigia-fiscal veio ao meu encontro dizendo-me que, há dias, o sargento-mor José Joaquim de Figueiredo Neves mandara um portador exatamente indagar se eu havia chegado. O sargento-mor é primo do Desembargador Moreira, do Rio de Janeiro, e irmão de Dona Josefa, mulher do Capitão Antônio Gomes, de Itajuru. Das margens do Botucaraí, eu mandara avisar que lhe trazia cartas, solicitando-lhe que me alugasse uma casa por alguns dias.
Acompanhado por um homem prestimoso que se ofereceu para me servir de guia, dirigia-me à casa do sargento-mor, quando fui abordado na rua por um velho que, após saber quem eu era, afirmou ser também irmão de Dona Josefa e que se casara com a irmã do Desembargador Moreira. Insistia em convidar-me para ficar em sua casa, dizendo-me que o sargento, seu irmão, estava ausente, mas que ele voltaria à noite; convenceu-me de enviar Matias ao rio para atravessar a carroça e as bagagens, convidando-me para jantar. Palestramos demoradamente sobre a capitania de Minas e de nossos conhecidos, encontrando no meu hospedeiro, homem de alguns estudos, essa facilidade em se exprimir e esse gosto pela conversação que, em geral, distinguem os mineiros.
Durou muito tempo o transporte da carroça e das bagagens. Quando o sargento-mor chegou, fui conduzido à casa que me era destinada. Ele não foi menos distinto que seu irmão, convencendo-me a fazer as refeições em sua companhia, durante minha estada em Rio Pardo.
Acabo de realizar uma viagem de, aproximadamente, seiscentas léguas em região cortada por numerosos rios, e é de se notar que não encontrei uma só ponte. Em toda parte pirogas e essas mesmas, o mais das vezes, em péssimo estado. A passagem de uma carroça e de sua carga demanda sempre muitas horas; é preciso necessariamente descarrega-la, e em nenhum rio se pensou em construir um galpão para abrigar pessoas e mercadorias em caso de mau tempo. Não há outro recurso senão cobrir a bagagem com couros, e sabe-se que tal precaução não produz bom efeito, salvo para certos objetos: o sal, por exemplo, sofre danos.
Encontrando-me às margens do Botucaraí, um estancieiro das proximidades de Alegrete, com destino a Rio Pardo, apareceu à margem direita do rio com a mulher e uma cunhada que pareciam amáveis e bem educadas. Ele as transportou primeiros com suas bagagens, mas, apenas desembarcaram do outro lado, onde não havia sequer uma cabana, desabou um temporal, e não sei o que aconteceria a essas pobres senhoras se um carreiro, que passara antes delas, não lhes tivesse oferecido um abrigo na sua carroça.
Constrói-se aqui uma ponte de pedras sobre o Rio Pardo, mas ainda que nisto se trabalhe há muito tempo, apenas se vê o começo das colunas; entretanto, esperando que essa ponte fique pronta, não se tomaram mais precauções para abrigar as máquinas à margem do rio como àquelas do Jacuí, do Botucaraí e de todos os outros. Os habitantes da região, robustos e acostumados a nadar, quando preciso, e a suportar todas as intempéries do ar, não lastimam os embaraços incríveis que lhes causam à passagem dos rios, mas não é menos verdade que os atrasos das viagens devem ser prejudicais ao comércio, e que a perde dos cavalos e bois afogados nessas travessias representa prejuízos consideráveis. Também, o carregamento de uma carroça custa não menos de cem mil réis, de Rio Pardo às Missões. Relativamente a isto, a capitania de Minas se acha mais adiantada do que esta. Lá os rios têm pontes, encontrando-se em todas as estradas ranchos, onde ao menos se pode encontrar abrigo sem incomodar ninguém.

 REFERÊNCIA
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Editora, 1997. p. 358-360.

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