domingo, 24 de março de 2019

SAINT-HILAIRE EM RIO PARDO (3)


VILA DE RIO PARDO, 3 DE MAIO DE 1821O couro e o trigo são os principais gêneros que os negociantes desta vila exportam; e é do Rio de Janeiro diretamente que importam quase todas as suas mercadorias.
Nos arredores da cidade, cultivam muito trigo, principalmente nas paróquias da Encruzilhada e de Taquari. Como, aliás, em toda parte, queixam-se muito da ferrugem, mas recentemente introduziram-se na região duas variedades de trigo, chamadas trigo-branco e trigo-moro, menos sujeitas a essa doença que a espécie comum, à qual se dá o nome de trigo-crioulo, por ser a mais antiga.
Disseram-me que aqui havia duas plantas muito prejudiciais às plantações de trigo, nascendo no meio delas e sufocando-as; uma, denominada joio, e que segundo me informaram, deve ser uma gramínea; a outra, chamada cálamo, não é outra coisa senão a aveia comum. Esta é de tal modo difícil de destruir que, mesmo depois de se ter deixado crescer o mato num terreno outrora de trigo, cortada e queimada, feita nova cultura com sementes puras, a aveia ai reaparece em abundância.
VILA DE RIO PARDO, 4 DE MAIO DE 1821 – Faço diariamente excursões, mas não encontro quase nenhuma flor; muitas árvores das matas já perderam suas folhas; as que ainda conservam são as de folhas duras, de um verde escuro e brilhante, tais como as mirtáceas. Desde que estou aqui, o tempo se mantém magnífico e asseguram-me que todos os anos, por esta época, há alguns dias de bom tempo. É o que se chama verãozinho de maio, veranico de maio.
VILA DE RIO PARDO, 18 DE MAIO – A Vila de Rio Pardo é inteiramente nova. Todos os que aqui vieram estabelecer-se há menos de trinta anos, contam-me que, na época, só se viam aí palhoças. No início se fixaram juízes regulares; depois trocados por um juiz-de-fora. Esta cidade, também sede de uma paróquia, está situada em terreno muito acidentado, à confluência do rio que lhe dá o nome e à do Jacuí.
A rua principal se prolonga sobre o cimo de uma colina bastante elevada, as demais se estendem nos flancos dessa e de colinas adjacentes. A maioria dessas últimas ruas se intercomunicam diretamente; são, por assim dizer, grupos de casas jogadas aqui e ali, entremeadas de relvados, terrenos baldios e de cercados com plantações de laranjeiras, conjunto ao mesmo tempo variado e agradável à vista. Pequena, a praça pública. A igreja paroquial forma um dos seus lados, não está completamente pronta, o mesmo acontecendo às outras duas igrejinhas também desta cidade. A casa da Câmara, da qual a prisão faz parte, é um edifício térreo.
A rua principal se encontra, parcialmente, pavimentada; a maior parte das outras ainda não. As casas de Rio Pardo são telhadas, algumas grandes e bem construídas; delas conta-se grande número de um e mesmo de dois andares, e quase todas que denunciam certa riqueza possuem sacadas de vidro.
É na rua principal que se vê a maior parte das lojas e armazéns de comestíveis, uns e outros igualmente bem sortidos. Embora Rio Pardo seja uma cidade rica e comercial, nenhuma providência foi tomada até agora para facilitar o desembarque das mercadorias que aqui chegam. Não se pensou ainda em fazer declives à margem do rio, e a rua de acesso ao porto não é pavimentada, além de muito íngreme e mal conservada.
As embarcações que servem ao transporte de mercadorias entre Porto Alegre e Rio Pardo são chamadas propriamente de canoas que, no Brasil, significa piroga; são pontudas, possuem um mastro, em torno de cinquenta e cinco a setenta palmos de comprimento e até vinte de largura. Delas nunca há mais de dez ao mesmo tempo no porto de Rio Pardo, mas em geral gastam poucos dias para carregar e descarregar.

REFERÊNCIA
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Editora, 1997. p. 362-364.

terça-feira, 19 de março de 2019

PRIMEIRA MULHER RIO- PARDENSE PROFESSORA

Ana Aurora foi a primeira mulher rio-pardense a formar-se professora.Por isso seu diploma, firmado pelo Diretor da Instrução e Diretor da Escola, bacharel Adriano Nunes Ribeiro,e pelo Secretário, professor José Teodoro de Souza Lobo, corria de mão em mão, como legítimo troféu de vitória. E, com ele, o exemplar magnífico de "Os Lusíadas".
 Formou-se a 21 de dezembro de 1881 aprovada com distinção em todos as matérias, isto é 10. Escola Normal, 1º premio à aluna - mestra. 
Em Rio Pardo grandes homenagens lhe foram prestadas...
Ana Aurora custou quase um ano para iniciar as atividade de cátedra, pois seu pai, bastante rigoroso, não aceitou que ela assumisse uma vaga que por direito de classificação seria dela, por que ele falava que havia uma outra que necessitava mais do emprego, "Deus me livre que minha filha se empregue prejudicando outra moça".Seu pai e Ana não tiveram outro remédio senão esperar uma vaga sem pretendentes. Finalmente em abril de 1883 surge uma vaga em João Rodrigues, lugar imensamente longe...
Ana Aurora era apaixonada pelo magistério apesar da resistência dos seus, mas ela foi trabalhar longe e lá ficou morando para poder dar aulas, assumindo a regência das aulas. Só vinha visitar seus pais quando de feriado prolongado. No carnaval do ano de 1884, havia um feriado de quatro dias, então veio visitar os pais encontrando seu pai enfermo e mesmo assim o pai lhes reprendeu se era verdade,e "disse cumpra sempre com seu dever".O pai não melhorou e há 28 de fevereiro de 1884 o seu pai deu o último suspiro, pensando ainda em trabalhar para que à família não faltasse o necessário e o conforto que então sempre conseguiu dar-lhe.

FONTE: A Grande Mestra de Walter Spalding,  Lv. Sulina, 1953.

quinta-feira, 14 de março de 2019

SAINT-HILAIRE EM RIO PARDO (2)


CIDADE DE RIO PARDO, 29 de abril de 1821 – Acompanhado do Sargento-mor José Joaquim de Figueiredo Neves e de seu irmão, o Capitão Tomás Aquino de Figueiredo Neves, tirei o dia de hoje para fazer várias visitas. Apresentaram-me primeiro na casa do Tenente-General Patrício José Correia da Câmara, que outrora serviu na Índia e há muitos anos comanda nesta parte da província, onde nasceu. Apesar de quase centenário, esse velho militar demonstra juízo e vivacidade.
Da casa dele fomos à de seu filho, o Marechal Bento Correia da Câmara, que fez carreira muito rápida devido à proteção do Ministro Tomás Antônio de Vilanova Portugal.
Enfim, achei que deveria visitar o Marechal João de Deus Mena Barreto, um dos primeiros comandantes da província das Missões, hoje Inspetor-geral das tropas desta capitania.
Em toda parte se falou muito dos últimos acontecimentos. Todos estão contentes de possuir uma Constituição; prontos a lhe jurar fidelidade, embora não esteja ainda feita; mas ninguém mostra o menor entusiasmo. Quanto ao que se passou em Porto Alegre, riem-se disto como se fosse uma brincadeira inconsequente. Não me canso de admirar a calma com que essa gente faz revoluções.
CIDADE DE RIO PARDO, 30 DE ABRIL DE 1821 – Pode-se ir por terra daqui a Porto Alegre, mas como é preciso, para isto, atravessar todos os rios que se lançam diante desta cidade no Guaíba, resolvi embarcar aqui e vender meus bois, carroça e cavalos; tive grande prejuízo sobre o preço da compra, no entanto devo ainda me felicitar por sair de Montevidéu com uma carroça de minha propriedade, pois até as Missões não teria encontrado uma para alugar e isso pelo menos me haveria de custar infinitamente mais do que o prejuízo acarretado pela sua venda. O que me impediu de tirar melhor partido da transação foi o fato de ser a carroça de ingá, madeira aqui somente empregada como lenha; enquanto é usada em construções em Montevidéu, onde as madeiras são extremamente raras.
As índias dizem que se entregam aos homens de sua raça por dever, aos brancos por interesses e aos negros por prazer.
VILA DE RIO PARDO, 1º de maio de 1821 – Os dois mineiros a quem estou recomendado tomaram informações para saber quando partiria daqui algum barco para Porto Alegre; sabendo que havia um a ser carregado por esses dias, fui ter como o Capitão-Mor, Tomás Aquino, em casa do Tenente-General Patrício, a fim de pedir-lhe que ordenasse ao patrão desse barco receber-me com a minha bagagem e meu pessoal. Isso é uma espécie de direito preferencial, concedido aos oficiais e cidadãos comissionados pelo governo.

REFERÊNCIA
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Editora, 1997. p. 360-361.

quarta-feira, 13 de março de 2019

LIÇÕES DA PROFESSORA ANA AURORA DO AMARAL LISBOA


ANA AURORA DO AMARAL LISBOA, nasceu em Rio Pardo a 24 de setembro de 1860,e faleceu em 22 de março de 1951. Foi professora, poetisa, ativista politica, escritora brasileira. 

                                                               A Mentira
Deus detesta a mentira porque Ele é a verdade. Mentira é um ato vergonhoso, porque é assaltara boa fé do próximo. Não se deve mentir nem mesmo em causas leves e sem importância. Um mentiroso por profissão é desprezível e desprezado.Se uma vez mentirdes, nunca mais vos acreditarão, ainda mesmo que depois faleis a verdade. Livrai-vos da exageração que é uma espécie de mentira.

FONTE: Foto do documento do Arquivo Histórico Biagio  S Tarantino Rio Pardo.
As lições aos seus alunos



domingo, 10 de março de 2019

SAINT-HILAIRE EM RIO PARDO (1)


RIO PARDO, 29 de abril de 1821, uma légua - “Entre a casa donde venho esta manhã e Rio Pardo, a região é desigual e sempre cortada de pastagens e bosquetes. Mal me pus em marcha, comecei a avistar a cidade de Rio Pardo, situada no cimo de uma colina, ao pé da qual corre o rio que lhe dá seu nome. Chegado a esse rio, atravessei-o com Matias. O vigia-fiscal veio ao meu encontro dizendo-me que, há dias, o sargento-mor José Joaquim de Figueiredo Neves mandara um portador exatamente indagar se eu havia chegado. O sargento-mor é primo do Desembargador Moreira, do Rio de Janeiro, e irmão de Dona Josefa, mulher do Capitão Antônio Gomes, de Itajuru. Das margens do Botucaraí, eu mandara avisar que lhe trazia cartas, solicitando-lhe que me alugasse uma casa por alguns dias.
Acompanhado por um homem prestimoso que se ofereceu para me servir de guia, dirigia-me à casa do sargento-mor, quando fui abordado na rua por um velho que, após saber quem eu era, afirmou ser também irmão de Dona Josefa e que se casara com a irmã do Desembargador Moreira. Insistia em convidar-me para ficar em sua casa, dizendo-me que o sargento, seu irmão, estava ausente, mas que ele voltaria à noite; convenceu-me de enviar Matias ao rio para atravessar a carroça e as bagagens, convidando-me para jantar. Palestramos demoradamente sobre a capitania de Minas e de nossos conhecidos, encontrando no meu hospedeiro, homem de alguns estudos, essa facilidade em se exprimir e esse gosto pela conversação que, em geral, distinguem os mineiros.
Durou muito tempo o transporte da carroça e das bagagens. Quando o sargento-mor chegou, fui conduzido à casa que me era destinada. Ele não foi menos distinto que seu irmão, convencendo-me a fazer as refeições em sua companhia, durante minha estada em Rio Pardo.
Acabo de realizar uma viagem de, aproximadamente, seiscentas léguas em região cortada por numerosos rios, e é de se notar que não encontrei uma só ponte. Em toda parte pirogas e essas mesmas, o mais das vezes, em péssimo estado. A passagem de uma carroça e de sua carga demanda sempre muitas horas; é preciso necessariamente descarrega-la, e em nenhum rio se pensou em construir um galpão para abrigar pessoas e mercadorias em caso de mau tempo. Não há outro recurso senão cobrir a bagagem com couros, e sabe-se que tal precaução não produz bom efeito, salvo para certos objetos: o sal, por exemplo, sofre danos.
Encontrando-me às margens do Botucaraí, um estancieiro das proximidades de Alegrete, com destino a Rio Pardo, apareceu à margem direita do rio com a mulher e uma cunhada que pareciam amáveis e bem educadas. Ele as transportou primeiros com suas bagagens, mas, apenas desembarcaram do outro lado, onde não havia sequer uma cabana, desabou um temporal, e não sei o que aconteceria a essas pobres senhoras se um carreiro, que passara antes delas, não lhes tivesse oferecido um abrigo na sua carroça.
Constrói-se aqui uma ponte de pedras sobre o Rio Pardo, mas ainda que nisto se trabalhe há muito tempo, apenas se vê o começo das colunas; entretanto, esperando que essa ponte fique pronta, não se tomaram mais precauções para abrigar as máquinas à margem do rio como àquelas do Jacuí, do Botucaraí e de todos os outros. Os habitantes da região, robustos e acostumados a nadar, quando preciso, e a suportar todas as intempéries do ar, não lastimam os embaraços incríveis que lhes causam à passagem dos rios, mas não é menos verdade que os atrasos das viagens devem ser prejudicais ao comércio, e que a perde dos cavalos e bois afogados nessas travessias representa prejuízos consideráveis. Também, o carregamento de uma carroça custa não menos de cem mil réis, de Rio Pardo às Missões. Relativamente a isto, a capitania de Minas se acha mais adiantada do que esta. Lá os rios têm pontes, encontrando-se em todas as estradas ranchos, onde ao menos se pode encontrar abrigo sem incomodar ninguém.

 REFERÊNCIA
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Editora, 1997. p. 358-360.