O 13 de maio de 1888 foi data importante para as pessoas da
cor de Luís Gonzaga, um homem baixo, magro e de cabelos brancos que vive em Rio
Pardo. No entanto, para muitas pessoas o dia da assinatura da Lei Áurea, que
determinou o fim da escravatura os negros brasileiros, foi apenas uma data
histórica. Naquele dia, Luís Gonzaga tinha 16 anos, mas ainda consegue lembrar-se
da festa e do entusiasmo com que a notícia foi recebida.
Agora, 104 anos de idade, resta apenas a lembrança daquele
tempo em que a escravidão era admitida oficialmente. “Mesmo no tempo em que era
escravo, Luís Gonzaga conseguiu ganhar mais do que recebe hoje, trabalhando
para um médico do município de Rio Pardo”. Um dia eu ganhei uma pataca”,
lembra. O que dava pra comprar? Muita coisa, muita coisa que não existe mais.
Agora, é tudo uma carêra medonha. E enquanto fala do
passado, o velho de cabelos brancos deixa correr uma lágrima que fica parada no
canto do nariz.
A idade não impede que ele fale com segurança, não impede que
ele faça largos gestos com as mãos. Vez em quando, responde com monossílabos,
deixando no ar palavras chaves, como um desafio ao seu interlocutor. E nem
tenta esconder o orgulho com que recorda dos tempos em que ajudou na construção
da estrada de ferro, que liga Rio Pardo a vários municípios gaúchos. Por vários
anos, vendeu sua força de trabalho aos donos da ferrovia. Dias melhores, só
durante seu serviço na Polícia, que ele pronuncia com acento no último i. Era o
tempo da colonização, tempo de lutas e de guerras por pequenos pedaços de terra
e de fronteira. E Luís Gonzaga lá, com uma arma na mão, defendendo o Rio Grande
do Sul. Era uma época em que não faltava trabalho para ninguém.
Eu trabalhei muito nesta vida, meu filho. Comecei pegando na
enxada quando tinha só dez anos, lá pela Guerra dos Farrapos. No começo, era
com a minha mãe, Maria Luísa, era o nome dela, trabalhou aqui no Solar do
Almirante.
Em seus 104 anos, nunca teve oportunidade pra estudar e sua
única esperança, no momento, é receber a aposentadoria prometida há mais de um
ano “pelos homens do governo”, que ele não sabe quem são. Enquanto ele não
chega, aproveita para se dedicar às duas coisas que mais gosta: caminhar pelas
ruas de Rio Pardo e beber Pepsi-cola. Mora sozinho no único quarto habitável de
um solar abandonado – o mesmo onde sua mãe trabalhou como escrava, mas não se
sente só. Quando lhe perguntam se nunca teve filhos, responde: “Pra quê?”...
Outra
lágrima começa a rolar por sua face. Com um vago gesto, Luís Gonzaga mostra o
lugar onde mora. É o mesmo Solar onde um dia trabalhou sua mãe. O famoso
Casarão do Almirante Alexandrino, hoje destruído e completamente abandonado, à
espera do misericordioso tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico
Nacional, serve como teto ao homem que o conheceu durante sua construção.
Solar do Almirante, arrumado e hoje esta´novamente interditado 2018 |
Que eu me lembre, eu nasci coisa de um ou dois anos depois
que minha mãe casou com meu pai, o Manuel Jacinto Gonzaga. Ainda consigo buscar
na cabeça os causos que ele me contava quando a gente morava lá em Porto
Alegre, na Colônia Africana. Sabe onde fica? Lá, no Morro da Polícia. Pois é, a
mãe foi de muda pra capital quando comprou a liberdade do Almirante, depois de
juntar um dinheirinho. Em Porto Alegre, ele trabalhou pra família Mostardeiro,
nos Moinhos de Vento. Cê conhece aquilo lá? Pois é....
FONTE: Uma entrevista Zero Hora, AHM.
Seu Luís diz que o dia mais triste de sua vida foi quando sua mãe morreu. |
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