Tenente Francisco de
Paula Cidade, foi aluno da Escola Militar em Rio Pardo, viveu várias
histórias, boas e não tão boas, muitas memórias que não conseguiu apaga-las e
escreveu livro contando muitas das condições precárias, difíceis e maus tratos
nas escolas militares do Sul e do Brasil.
O cadete passou de Portugal ao Brasil com as mesmas
facécias, com os mesmos costumes, mediante simples adaptação. Lá deve ter sido
o espadachim, o guitarrista; aqui foi o tocador de violão o cantador de
modinhas, o metidiço à capoeira... Filhos eram de oficiais, de nobres e de
gente endinheirada, conforme o seu grau, em regra superiormente alfabetizados,
chegavam rapidamente a sargentos, mas podiam, como se viu, ser apenas soldados
rasos, se isso lhes conviesse. Terríveis conquistadores, muitos vícios, não
gostavam muito de pagar as lavadeiras, mas sabiam morrer agarrados aos panos da
Bandeira de seu corpo de tropas. Muitas saudades deixaram os cadetes...
... Na Velha cidade rio-grandense de Rio Pardo existiu,
antes de lá ir à Escola Preparatória e de Tática, uma Escola de Tiro, que
anualmente se enchia de cadetes, que animavam com suas estroinices o ambiente
daquele recanto bucólico. Antes da instalação da Escola, Rio Pardo já era
atormentada pelos fantasmas. Quem não gostasse de ter maus encontros, era
melhor que não saísse à rua em horas mortas. Muito homem valente tomou ali
parte em desagradáveis maratonas, por ter-se animado a ficar fora de casa até
mais tarde. Ao dobrar a esquina, esbarrava com um cortejo mortuário, quase
sempre constituído por um carro de bois, que transportava um caixão de defunto,
guiado por um carreteiro de altura descomunal que empunhava um tocheiro que mal
bruxuleava. O cidadão corria até entrar em casa, onde, reza a tradição, não
devia olhar para a luz, sob pena de
perder os sentidos. Parece que o diabo se associava, com seu espírito
inventivo, a essas aparições, que tomavam mil aspectos diferentes.
Quando a Escola de Tiro chegou ao Rio Pardo, alguns cadetes
pagaram o seu tributo e também correram como quaisquer outros mortais…uma dúzia
deles tratou de reagir e de quebrar o encanto…costumava transitar gigantesca, figura
humana, branca, vaporosa, arrastando atrás de si enorme cauda, que se estendia
pelo chão escuro. O grupo resolveu cercar
o fabuloso vulto e conversar com ele... uns levaram cruzes e rezas fortes,
mas outros preferiram levar cacetes e outros armas. Pouco antes da meia-noite a
hora das almas do outro mundo, segundo as velhas gerações, estavam todos a postos
estrategicamente.
De repente, o BRUTO aparece à luz das estrelas, porque a
cidade dormia às escuras. Marcha lentamente, como convém a um fantasma de boa
qualidade....
Quem vem lá? Alto ou
lá vai bala! ...
O fantasma, como que tocado por uma oração forte, detém-se e
diminui de altura...continua a minguar e de todos os lados surgem os cadetes
mais animosos, que dele se aproximaram. O monstro
era de carne e osso. Autêntico comerciante, que desse disfarce se utilizava para poder chegar a um lugar em que queria
entrar sem ser visto. A escada de cordas de D. João cedia lugar a um bom par de
pernas de pau. O Duende, recebida a sua confissão, foi deixado em paz, mas logo
depois as ruas de Rio Pardo não eram mais o teatro de operações de um ou dois
fantasmas de verdadeiros bandos deles. É que a moda havia pegado e o sistema
deixou de ser privilégio de seus criadores. E os cadetes passaram a explorar largamente a invenção.
FONTE: Cadetes e Alunos Militares Através dos Tempos, Gen.
Francisco de Paula Cidade. Biblioteca do Exército, 1961