Em 1835 os ânimos estavam exaltados em Rio Pardo.
Liberais e Caramurus se enfrentavam violentamente. Em janeiro haviam ocorrido
violentas escaramuças nas ruas da Vila e foi instaurado um processo para apurar
responsabilidades. Este processo causou os episódios ocorridos em abril daquele
ano, narrados por Coruja Filho.
“Tumultos graves ocorreram, então, na
Vila de Rio Pardo, em Viamão, Cachoeira e particularmente em Porto Alegre, onde
Pedro Boticário, pelos exaltados tudo fazia para tornar mais encarniçada a
luta.
Rio Pardo
foi teatro de cenas muito graves, em janeiro de 1835; os exaltados e
principalmente o chefe José Mariano foram acusados como sediosos pelos
retrógrados.
Houve
denúncia e início de processo a que não deu andamento o prudente Juiz de
Direito Rodrigo Pontes, empenhado em ver serenados os ânimos. Não bastava,
porém, a prudência para conter os excessos a que a febre partidária arrastava
os homens das duas parcialidades.
Diariamente
as provocações e os rompimentos se reproduziam. Mimoseavam-se os adversários
reciprocamente com a linguagem mais desbragada. Qual primava em inventar
epítetos deprimentes, apelidos desprezíveis e insultuosos para aplicar ao seu
inimigo.
Os exaltados
chamavam aos retrógrados – galegos, caramurus, homens do fogo, isto é, da
tirania militar, restauradores, absolutistas, escravos do Duque de Bragança,
corcundas, camelos, carimbotos, etc. ao passo que os que recebiam estas
denominações pagavam-nas com outras não menos lisonjeiras, como – farroupilha, farraços,
anarquistas, pés de cabra, etc. (aludindo à mestiçagem de alguns filhos do país),
de onde a célebre paródia à brava gente brasileira.
Pobre gente brasileira
Descendentes de Guiné!
Trocaram as cinco chagas
Pelo fumo e o café
E ainda a
quadra Já podeis filhos da Pátria, que foi transformada em versos indecentes.
Uma destas
alusões fizeram ao vivo alguns portugueses e restaurados de Rio Pardo,
apresentando no sábado de Aleluia de 1835 algumas figuras de Judas erguidas em
altos postes e ornadas de cornos e pés de cabra.
Um mulato
escravo, que vociferava pela manhã, diante de uma dessas figuras alusivas,
insultando os seus autores, foi inopinadamente
abatido por um tiro de espingarda, que partira da casa fronteira. Espalhou-se
grande comoção pela vila.
Começaram as
recriminações e por pouco se não feriram conflitos à viva força.
Informado
deste estado de coisas, o Governo Provincial insensatamente o agravou, mandando
proceder à continuação dos interrompidos processos de janeiro.
Reconhecendo
os perigos a que se iriam aventurar, afrontando ódios e paixões, nenhum dos
juízes de paz quis tomar parte nesta questão e todos escusaram-se, declarando-se
suspeitos, menos o ousado retrógrado Casemiro de Vasconcelos Cirne. Não o demoveram pedidos de amigos nem
ameaçadores avisos anônimos. Numerosos grupos de homens mascarados penetraram
inesperadamente, pela noite, em casa de Cirne e exigiram-lhe a entrega dos autos
do processo, ameaçando-o de pistola no peito. Conta-se que nessa ocasião uma
filha do animoso juiz de paz acercara-se do que se parecia o chefe do bando, e
arrancara-lhe a máscara, com uma coragem que não era de esperar no seu sexo. Ao
mesmo tempo, Cirne, que também armado, disparara a sua pistola contra esse
indivíduo, arrancando, a bala, a última falange de um dos dedos da mão do
alvejado. Esta resistência determinou a morte do infeliz e intrépido
retrógrado, que ali mesmo caiu.
Essa cena de
sangue, que deu brados em toda a Província e precipitou a Revolução, coincidiu
com a abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 20 de abril, a qual
reunia-se pela primeira vez no Rio Grande do Sul, eleita em virtude da Lei
Constitucional de 12 de agosto de 1834 que, entre outras reformas, estabelecera
a dos Parlamentos Provinciais.”
CORUJA FILHO (Dr. Sebastião Leão). Datas
Rio-Grandenses. Porto Alegre: Editora Globo, 1962. p. 99-100.
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