domingo, 11 de junho de 2017

RIO PARDO E A REVOLUÇÃO FARROUPILHA

Em 1835 os ânimos estavam exaltados em Rio Pardo. Liberais e Caramurus se enfrentavam violentamente. Em janeiro haviam ocorrido violentas escaramuças nas ruas da Vila e foi instaurado um processo para apurar responsabilidades. Este processo causou os episódios ocorridos em abril daquele ano, narrados por Coruja Filho.

Tumultos graves ocorreram, então, na Vila de Rio Pardo, em Viamão, Cachoeira e particularmente em Porto Alegre, onde Pedro Boticário, pelos exaltados tudo fazia para tornar mais encarniçada a luta.
            
Rio Pardo foi teatro de cenas muito graves, em janeiro de 1835; os exaltados e principalmente o chefe José Mariano foram acusados como sediosos pelos retrógrados.
Houve denúncia e início de processo a que não deu andamento o prudente Juiz de Direito Rodrigo Pontes, empenhado em ver serenados os ânimos. Não bastava, porém, a prudência para conter os excessos a que a febre partidária arrastava os homens das duas parcialidades.
Diariamente as provocações e os rompimentos se reproduziam. Mimoseavam-se os adversários reciprocamente com a linguagem mais desbragada. Qual primava em inventar epítetos deprimentes, apelidos desprezíveis e insultuosos para aplicar ao seu inimigo.
Os exaltados chamavam aos retrógrados – galegos, caramurus, homens do fogo, isto é, da tirania militar, restauradores, absolutistas, escravos do Duque de Bragança, corcundas, camelos, carimbotos, etc. ao passo que os que recebiam estas denominações pagavam-nas com outras não menos lisonjeiras, como – farroupilha, farraços, anarquistas, pés de cabra, etc. (aludindo à mestiçagem de alguns filhos do país), de onde a célebre paródia à brava gente brasileira.
                Pobre gente brasileira
                Descendentes de Guiné!
                Trocaram as cinco chagas
                Pelo fumo e o café
E ainda a quadra Já podeis filhos da Pátria, que foi transformada em versos indecentes.
Uma destas alusões fizeram ao vivo alguns portugueses e restaurados de Rio Pardo, apresentando no sábado de Aleluia de 1835 algumas figuras de Judas erguidas em altos postes e ornadas de cornos e pés de cabra.
Um mulato escravo, que vociferava pela manhã, diante de uma dessas figuras alusivas, insultando os seus autores, foi  inopinadamente abatido por um tiro de espingarda, que partira da casa fronteira. Espalhou-se grande comoção pela vila.
Começaram as recriminações e por pouco se não feriram conflitos à viva força.
Informado deste estado de coisas, o Governo Provincial insensatamente o agravou, mandando proceder à continuação dos interrompidos processos de janeiro.
Reconhecendo os perigos a que se iriam aventurar, afrontando ódios e paixões, nenhum dos juízes de paz quis tomar parte nesta questão e todos escusaram-se, declarando-se suspeitos, menos o ousado retrógrado Casemiro de Vasconcelos Cirne.  Não o demoveram pedidos de amigos nem ameaçadores avisos anônimos. Numerosos grupos de homens mascarados penetraram inesperadamente, pela noite, em casa de Cirne e exigiram-lhe a entrega dos autos do processo, ameaçando-o de pistola no peito. Conta-se que nessa ocasião uma filha do animoso juiz de paz acercara-se do que se parecia o chefe do bando, e arrancara-lhe a máscara, com uma coragem que não era de esperar no seu sexo. Ao mesmo tempo, Cirne, que também armado, disparara a sua pistola contra esse indivíduo, arrancando, a bala, a última falange de um dos dedos da mão do alvejado. Esta resistência determinou a morte do infeliz e intrépido retrógrado, que ali mesmo caiu.
Essa cena de sangue, que deu brados em toda a Província e precipitou a Revolução, coincidiu com a abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 20 de abril, a qual reunia-se pela primeira vez no Rio Grande do Sul, eleita em virtude da Lei Constitucional de 12 de agosto de 1834 que, entre outras reformas, estabelecera a dos Parlamentos Provinciais.”


CORUJA FILHO (Dr. Sebastião Leão). Datas Rio-Grandenses. Porto Alegre: Editora Globo, 1962. p. 99-100.

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