APROPRIAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO
TERRITÓRIO NA FRONTEIRA GAÚCHA
“ A disputa pela apropriação do
espaço no Extremo-Sul entre portugueses e espanhóis, ao longo dos séculos XVII
e XVIII, é bem evidente no avanço e recuo das Missões jesuíticas na alta bacia
do rio Uruguai, onde estas implantaram-se como verdadeiro ‘quisto’ entre os
territórios controlados pelas duas coroas. Aos poucos a luta se expandiu para
as áreas de Pampa, ‘terras de ninguém’, rumo ao estratégico estuário do Prata,
verdadeira sentinela geopolítica onde, ainda em 1680, fora estabelecida pelos
portugueses a Colônia de Sacramento (...).
Apesar de terem se expandido por
todo o espaço conhecido hoje como Campanha Gaúcha, de Bagé a Rio Pardo, de São
Vicente a São Borja, as missões jesuíticas do século XVII foram devastadas com
a caça ao índio promovida pelos bandeirantes paulistas e abandonadas em
definitivo com a expulsão dos jesuítas dos territórios luso-castelhanos na
metade do século XVIII. Apenas em 1801, a região noroeste do atual Rio Grande
do Sul seria definitivamente incorporada.
O verdadeiro ‘deserto’ de dunas
e campinas na costa entre Laguna e o Prata retardou a fixação humana na região
hoje compreendida pelo Rio Grande do Sul. No interior, à exceção do gado
chimarrão (selvagem) deixado à solta após a expulsão dos jesuítas pelos
bandeirantes, e dos índios, tomados como escravos, nenhum interesse econômico
relevante incentivava a ocupação. Além disso, o próprio clima não era
apropriado aos cultivos tropicais que interessavam à economia mercantil
européia. Essas condições naturais levariam à constituição de uma verdadeira
fronteira aberta em meio às campinas do Pampa, domínio dos índios charruas e
minuanos, hábeis cavaleiros caçadores que, apesar de dizimados, legaram importante
herança à cultura gaúcha.
A propósito da herança indígena,
é importante lembrar que mesmo nas sociedades primitivas já se delineava uma
divisão territorial do trabalho, intimamente relacionada ao meio natural:
enquanto nas áreas de mata ao norte e centro do atual estado as etnias Gê (guaianás
e caingangues) e tape (depois guaranizados) praticavam a agricultura, na atual
faixa fronteiriça de Rio Grande a São Borja,
dominava a caça pelos cavaleiros da nação chaná (minuanos e charruas). É
bastante provável que tenha raízes aí o mito, ainda hoje pregado por alguns
estancieiros, de que somente as áreas de mata seriam favoráveis ao uso agrícola
do solo.
O vaivém da linha fronteiriça e
os freqüentes conflitos armados reforçaram o caráter militar da sociedade
gaúcha. Muitos núcleos eram criados e abandonados em curtos espaços de tempo, e
outros conseguiam definitivamente se instalar com base em sua condição
estratégico-militar: Santa Maria, por exemplo, surgiu de um acampamento militar
demarcados de limites (1787-1801), Bagé surgiu com o forte espanhol de Santa
Teclar (1773) e Alegrete de um acampamento português (1811).
Além da conotação tradicional
com que a denominação Campanha é reconhecida, não se deve descartar também um
significado militar, já que os comandos da governadoria militar do ‘ Continente
de São Pedro’, com sedes em Rio Grande e Rio Pardo, eram denominados, no início
do século XIX, Comandos de Fronteira ou de Campanha.
A criação de um forte em Rio
Grande (1737), único abrigo portuário no longo e inóspito litoral entre Santa
Catarina e o Prata, levou à formação daquele que se tornaria, já no início do
século XIX, o centro polarizador da economia e de expansão do povoamento na
área da Campanha, que até então se identificava com o próprio espaço da
Capitania.”
(COSTA, Rogério
Haesbaert da. Latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1988. (Série Documenta, 25)
Nenhum comentário:
Postar um comentário