quarta-feira, 25 de novembro de 2015

APROPRIAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO TERRITÓRIO NA FRONTEIRA GAÚCHA

“              A disputa pela apropriação do espaço no Extremo-Sul entre portugueses e espanhóis, ao longo dos séculos XVII e XVIII, é bem evidente no avanço e recuo das Missões jesuíticas na alta bacia do rio Uruguai, onde estas implantaram-se como verdadeiro ‘quisto’ entre os territórios controlados pelas duas coroas. Aos poucos a luta se expandiu para as áreas de Pampa, ‘terras de ninguém’, rumo ao estratégico estuário do Prata, verdadeira sentinela geopolítica onde, ainda em 1680, fora estabelecida pelos portugueses a Colônia de Sacramento (...).
                Apesar de terem se expandido por todo o espaço conhecido hoje como Campanha Gaúcha, de Bagé a Rio Pardo, de São Vicente a São Borja, as missões jesuíticas do século XVII foram devastadas com a caça ao índio promovida pelos bandeirantes paulistas e abandonadas em definitivo com a expulsão dos jesuítas dos territórios luso-castelhanos na metade do século XVIII. Apenas em 1801, a região noroeste do atual Rio Grande do Sul seria definitivamente incorporada.
                O verdadeiro ‘deserto’ de dunas e campinas na costa entre Laguna e o Prata retardou a fixação humana na região hoje compreendida pelo Rio Grande do Sul. No interior, à exceção do gado chimarrão (selvagem) deixado à solta após a expulsão dos jesuítas pelos bandeirantes, e dos índios, tomados como escravos, nenhum interesse econômico relevante incentivava a ocupação. Além disso, o próprio clima não era apropriado aos cultivos tropicais que interessavam à economia mercantil européia. Essas condições naturais levariam à constituição de uma verdadeira fronteira aberta em meio às campinas do Pampa, domínio dos índios charruas e minuanos, hábeis cavaleiros caçadores que, apesar de dizimados, legaram importante herança à cultura gaúcha.
                A propósito da herança indígena, é importante lembrar que mesmo nas sociedades primitivas já se delineava uma divisão territorial do trabalho, intimamente relacionada ao meio natural: enquanto nas áreas de mata ao norte e centro do atual estado as etnias Gê (guaianás e caingangues) e tape (depois guaranizados) praticavam a agricultura, na atual faixa fronteiriça de Rio Grande a  São Borja, dominava a caça pelos cavaleiros da nação chaná (minuanos e charruas). É bastante provável que tenha raízes aí o mito, ainda hoje pregado por alguns estancieiros, de que somente as áreas de mata seriam favoráveis ao uso agrícola do solo.
                O vaivém da linha fronteiriça e os freqüentes conflitos armados reforçaram o caráter militar da sociedade gaúcha. Muitos núcleos eram criados e abandonados em curtos espaços de tempo, e outros conseguiam definitivamente se instalar com base em sua condição estratégico-militar: Santa Maria, por exemplo, surgiu de um acampamento militar demarcados de limites (1787-1801), Bagé surgiu com o forte espanhol de Santa Teclar (1773) e Alegrete de um acampamento português (1811).
                Além da conotação tradicional com que a denominação Campanha é reconhecida, não se deve descartar também um significado militar, já que os comandos da governadoria militar do ‘ Continente de São Pedro’, com sedes em Rio Grande e Rio Pardo, eram denominados, no início do século XIX, Comandos de Fronteira ou de Campanha.
                A criação de um forte em Rio Grande (1737), único abrigo portuário no longo e inóspito litoral entre Santa Catarina e o Prata, levou à formação daquele que se tornaria, já no início do século XIX, o centro polarizador da economia e de expansão do povoamento na área da Campanha, que até então se identificava com o próprio espaço da Capitania.”


(COSTA, Rogério Haesbaert da. Latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. (Série Documenta, 25) 

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