A
BARCA LIBERAL
Na
edição de 1903 do Almanak Litterario e Estatístico do Rio Grande do Sul, o
historiador Alfredo Ferreira Rodrigues, organizador e editor dessa histórica
publicação, relata, sob o título “Homens e Fatos do Passado”, a viagem
inaugural da “Barca Liberal”, primeiro
barco a vapor a sulcar as águas interiores do Estado.
Ferreira
Rodrigues inicia o texto com a tradução de referência que lera, ainda jovem,
num livro do inglês Willian Scully: “Esta província (Rio Grande do Sul) foi a
primeira do império que utilizou as vantagens da navegação a vapor. Os
empreendedores habitantes de Pelotas, em 1834, fizeram correr uma barca de
vapor entre essa cidade e a de São Pedro.” E corrige a informação: “O fato é
verdadeiro no que diz respeito ao Rio Grande. Não o é tratando-se do Brasil em
geral, pois que, já em 4 de outubro de 1819, o general Felisberto Caldeira
Brandt, depois Marquês de Barbacena, inaugurara um pequeno vapor entre a Bahia e
Cachoeira. Além disso, há um engano de datas, tendo a barca começado a navegar
em 1832 e não em 1834.
Deveu
a província esse progresso a quatro homens empreendedores: Domingos José de
Almeida, Antônio José Gonçalves, José Vieira Viana e Bernardino José Marques
Canarim, que constituíram uma sociedade por ações, mandando vir dos Estados
Unidos uma máquina a vapor para mover a barca, que se estava construindo em
Pelotas, nos estaleiros do arroio Santa Bárbara.
Domingos
José de Almeida adiantou, sem juro algum, o dinheiro preciso para ultimar-se o
negócio, pois que por fim os outros acionistas abandonaram a empresa.
A
barca, que recebeu o nome de Liberal, desceu do estaleiro em meados de setembro
de 1832, fazendo experiência no dia 30 no São Gonçalo, com grande admiração dos
espectadores pela velocidade com que rompeu contra o vento e grande correnteza
de água.
As
suas viagens começaram a 7 de outubro. O “Noticiador”, do Rio Grande, no dia 11
publicou a seguinte descrição da primeira delas: ‘No dia 7 do corrente, pelas 8 horas da
manhã, saiu daquela vila (Pelotas) a barca, conduzindo muitos generosos
cidadãos que quiseram ter o gosto de serem os primeiros flutívagos argonautas
(...). Às 11 horas já se achava na vila de São José do Norte (...). Ao
confrontar com o primeiro edifício desta vila, todas as embarcações e iates
içaram a um tempo suas bandeiras, flâmulas e galhardetes e um considerável
número de foguetes, subiram imediatamente ao ar (...) . As janelas estavam
ocupadas por senhoras e as praias atulhadas de povo, que, com acenos de lenços,
gritos e vivas e continuação de fogos, fazia uma bela vista e não punha em
dúvida o entusiasmo de que todos estavam possuídos (...). Depois de ancorada a
barca unida ao trapiche, desembarcaram muitos passageiros e outros cidadãos
subiram à dita barca, cada um com a sua notável curiosidade e interesse, examinando-a
atentamente, por ser bem de supor que alguns dos observadores não tivessem
visto uma embarcação semelhante. Às 2 horas da tarde partiu, levando talvez
mais passageiros que conduzira.’
Não
deve passar sem reparo a celeridade, naquela época, fora do comum, da barca,
que fez a viagem de Pelotas a São José do Norte em menos de 3 horas. O êxito
desta primeira viagem animou os proprietários da barca a mandarem-na, em
princípios de novembro a Porto Alegre. Ali se demorou algum tempo, fazendo
diversas excursões ao Rio Pardo, vila do Triunfo e colônia de São Leopoldo. Na
viagem ao Triunfo, levou mais de 150 passageiros, o que prova não só as suas
vastas acomodações, como a predileção do público por esse novo modelo de
locomoção. O lucro realizado por essa excursão foi calculado por um jornal da
capital em muito mais de dois contos de réis.
De
volta a Pelotas, iniciou carreira regular entre essa vila e o Rio Grande, com
escalas pela barra do arroio Pelotas e São José do Norte. De julho de 1833 em
diante, as saídas de pelotas foram fixadas em todas as segundas e
quartas-feiras, regressando do Rio Grande nas terças e quintas, fazendo
excepcionalmente uma ou outra viagem a Porto Alegre.
Em
1836, foi a barca Liberal transformada pelo governo em navio de guerra. Assim é
que, em 2 de junho,sob o comando do Tenente Joaquim Raimundo de Lamare, tomou
juntamente com as canhoneiras Oceano e São Pedro, o passo de São Gonçalo, em
frente à foz do arroio Pelotas, às forças revolucionárias comandadas pelo major
João Manoel de Lima e Silva.”
FONTE: Boletim
Informativo do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, nº 2 – set/out/nov. de 1984.
P. 5-7.
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