domingo, 5 de abril de 2020

RIO PARDO – UM DOCUMENTO DE 1762


- Instruções do Conde de Bobadela ao Comandante dos Dragões do Rio Pardo, cel. Thomaz Luiz Osório. Contribuição ao Almanaque do Correio do Povo, pelo Museu Histórico “Barão de Santo Ângelo”, de Rio Pardo.

Embora relacionado ou citado por eminentes historiadores patrícios, é o documento pouco conhecido em seu contexto.
Antecede e prevê os acontecimentos que se tornaram altamente históricos nas lutas e nos trabalhos da formação territorial do Rio Grande do Sul com a fixação das fronteiras Meridionais do País.
Ressalta, além de outros conceitos:
a) Os elevados conhecimentos da região pelo Conde de Bobadela, General Gomes Freire de Andrade;
b)A preocupação com a grande concentração dos índios aldeados no Quartel de Rio Pardo, ocasionando, em consequência, o seu parcelamento para novos aldeamentos na Cachoeira do Fandango e Aldeia dos Anjos, origens, respectivamente, dos municípios de Cachoeira do Sul e de Gravataí;
c) A importância da posição de Rio Pardo e de sua fortificação como Tranqueira (Fortaleza Jesus Maria José);
d) A preocupação pela defesa da Vila do Rio Grande;
e) As infrações do Tratado de Madrid (1750);
f) A criação das defesas e fortificações de Chuí, São Miguel e Santa Tereza.
A seguir o documento de 1762 em seu estilo original:[1]

“Instruções que deve seguir o sr. Coronel de Dragões Thomaz Luiz Ozorio.
Com a maior brevidade, e com a menos novidade que for possível, por se não alvorotarem os índios Tapes, que estão em esse Quartel, sairá V. S dele, deixando aí o seu Sargento Major com o número de cem Dragões, os mais Práticos desse País, com o capitão Francisco Pinto Bandeira, um Tenente, um Alferes e um Furriel, e com o resto marchará V. S{ para o Quartel do Rio Grande, por terra, a não ter embarcações prontas para o fazer pelo rio; e como em Tororutama há cavalaria gorda, e em estado de serviço, não tirará V. Sª sem grande necessidade, de cavalhada, que temos em esse Presídio, mais que a precisa para montar, na marcha se a fizer por terra.
Ao Sargento Major ordeno, o que deve obrar, tanto no reparo dessa fortaleza, como no mais, que respeita a defensa desse partido, e Barreira, e mudança dos índios.
O novo governador do Rio Grande, pelo último aviso, que me faz, sei o deplorável estado, em que se acha, pois os cirurgiões desconfiam possa vencer as moléstias, que o tem atacado no último fim. Se o dito governador houver falecido, ou falecer, V. Sª se encarregará do governo; e como a experiência nos tem dado a ver, que á o presente para a defensa, se faz mais precisa e útil a residência de V. Sª em São Miguel, ou Chuí, sendo o governador morto, V. Sª se encarregue do governo enquanto não dou outra providência, e continue com brevidade a sua marcha para a fronteira com todos os oficiais, e soldados de seu regimento, pois é certo, quanto maior número de cavalaria tivermos nela, tanto mais defendida, e segura se conservará a povoação do Rio Grande, donde a dificuldade da entrada por mar defende as muitas famílias estabelecidas. No terreno, que medeia daquela vila até Chuí; é o antemural a tropa, e a fortificação que fizermos no sítio da Angostura, só essa nos poderá livrar o golpe; e como na guarda de Chuí se não pode fazer defensa, que cubra o dito terreno, de nos fortificarmos na dita angostura tiraremos o bem da nossa conservação. E posto que o irmos ganhar aquele importante passo sem a certeza de estar rota a guerra entre as duas Coroas, é uma infração do Tratado, que ultimamente se nos tem mandado guardar com a observância, do que estava em prática antes do Tratado de limites. Contudo, ajustará V. Sª com o governador, ou com o capitão de infantaria, que ficar interinamente comandando no Rio Grande, e com o Provedor da Fazenda Real, a maior e breve remessa de cal e tijolo, que se puder adiantar, cuja remessa trabalhará V. Sª para que se acomode na parte que mais chegada possa ser a dita angostura, mas sempre reservada da vista da patrulha castelhana, que menezialmente vem correr aquela Campanha, como também é indispensável fazer faxinas o mais perto que ser possa, para nos cobrirmos de pronto. Logo que me chegue alguma notícia da nossa Corte, ou da nossa neutralidade, ou da guerra com Castela, e França, sem perder tempo expeço embarcação d ilha de Santa Catarina, e daquele governador, pelas paradas, chegaram a V. Sª as minhas cartas, e a certeza das reais determinações. Das pessas de campanha, de que nos servimos nas passadas, mando recolher a este cidade as quatro feitas no reinado de Sr. D. João V; das seis deixará V. Sª três para ajudarem a defensa das que há em essa Tranqueira, e as outras, que V. Sª achar mais a propósito as leve em sua companhia para as ter  na nova barreira, ou em São Miguel, como melhor lhe parecer, e do Rio Grande se podem tirar as mais que forem necessárias para aquela fronteira. Como no Rio Grande há carpinteiros do Trem, adiante V. Sª madeiras, não só para essa, mas para a mais artilharia, que se entender montar-se, tanto na parte de Chuí como na Tranqueira, que tenho mandado fazer no Rio Grande na parte, em que está o hospital.
Quando residi dessa parte, formei duas companhias de cavalaria dos moradores das  Estâncias até Chuí; não só em estas, mas havendo homens como há, cavalos, V. Sª formará mais as para que houver número, sendo o de sessenta cavalos cada uma companhia, pondo-lhe por oficiais as pessoas mais ativas, e podendo ser nobres, que houver no distrito das ditas companhias: a de que era capitão Felix José, mandei passar Patente ao tenente da mesma, Antonio José Pereira.
As Ordenanças de pé fará V. Sª  regular, para que se conserve em estado de defender as suas casas e famílias, e em tudo, o que toca a sua formatura entrará V. Sª, no caso de haver falecido o governador, que sendo ele vivo, lhe toca a economia, e regularidade do que lhe diz respeito, como da vila do Rio Grande, e suas dependências, o que não obstante no que for em defensa, ou fortificação da angostura da parte de Chuí, se V. Sª não concordar com o meu parecer, declaro V. Sª execute, tanto na trincheira, como na disposição da guarda da campanha, o que entender mais próprio, e conveniente, por ser certo, que a experiência de V. Sª, e o muito que há talado esta campanha, faz provável, que outras experiências lhe ditam os projetos que põe em prática.
Félix José fica a partir para a ilha de Santa Catarina, e leva todo o dinheiro, que me é possível remeter, tanto para esse, como para os mais presídios, e continuarei com quanto caiba na minha diligência. V. Sª nesta ocasião fará recolher ao Corpo todos os soldados que se acham pelas estâncias, guardas de cavalhadas e registros, mandando o Provedor por nestes, fiéis capazes, que devem ser pagos pela Provedoria da Fazenda Real, o que lhes for arbitrado, e nas demais partes supriram alguns peões com capatazes, os que forem da aprovação de V. Sª, e dos Provedores da Fazenda Real.
É preciso venham, para serem sem demora consertadas, as armas que estiverem inúteis, para se dar breve providência, como relação do estado do todo. Em esta ocasião me serve de grande alívio a certeza, de que V. Sª  conhece o gênio dos nossos inimigos, e as vantagens, com que em umas partes oprimem, e as em que a nossa disposição, atividade, valor, e fidelidade e os avantejamos.
Nas embarcações que se ficam expedindo, direito, o que convier e o que mais ocorrer. Rio de Janeiro a dez de maio de mil setecentos e sessenta e dois (1762). Conde de Bobadella. – (Documento doado ao Museu de Rio Pardo pelo sr. Tácito Osório de Azambuja)


REFERÊNCIA: Almanaque do Correio do Povo – 1971 – Companhia Jornalística Caldas Júnior
OBS: Almanaque Correio do Povo foi publicado de 1916 até 1984


[1] Nesta nossa cópia, em estilo atualizado.

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