quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

SOBRE A AGRICULTURA EM RIO PARDO


As terras produzem duas vezes por ano, quando se alternam o milho e o trigo. Planta-se o trigo de maio a agosto, e se recolhe principalmente em dezembro. Imediatamente após, queima-se a palha e planta-se o milho na mesma terra sem cultivá-la, fazendo-se apenas covas com a enxada para aí colocar a semente. – O milho que se planta na terra onde já se colheu o trigo chama-se milho do tarde; plantam-se com ele abóboras. Este milho é aquele que dá mais esperança de uma boa colheita, porque as espigas, antes de sua maturação, recebem as chuvas de fevereiro e março. Chama-se milho do cedo o que se planta em outubro e, por conseguinte, em terras onde não se colheu o trigo. Muitas vezes, suas colheitas não são copiosas como as do primeiro, porque ele cresce durante uma estação em que as chuvas se tornam mais raras. Com o milho de cedo, planta-se feijão, que só necessita, nesse país, do sereno das noites.
Quando se planta em mata virgem, abate-se, queima-se, lavra-se a terra à enxada, e pela primeira vez aí se planta sempre milho; corta-se o mato em novembro, queima-se em dezembro; planta-se imediatamente após. A terra não precisa ser limpa. Colhe-se em maio ou junho. Semeia-se o trigo à mão, depois se dá uma capina por cima da semente, pois não surgem senão ervas rasteiras. É inútil limpar a terra. Corta-se o trigo abaixo da espiga, com a foicinha, depois se corta a palha rente à terra para queimá-la.
Já no segundo ano, as raízes das árvores estão bastante podres para se fazer uso do arado, depois da colheita do milho, evitando-se os troncos que não foram queimados. Mas nessa segunda vez, como na primeira, não se trabalha a terra a não ser para cobrir a semente; no final de quatro a cinco anos, cessa-se de plantar milho nessas terras. Após a colheita do trigo, deixa-se crescer a erva até fevereiro; dá-se uma capina e às vezes duas. Semeia-se e dá-se uma nova monda. No plantio do trigo basta arrancar à mão o cálamo ou balanz e o joio, mas limpam-se à enxada o milho e o feijão. Alguns agricultores usam o arado para tal limpeza, tendo-se o cuidado de colocar uma focinheira nos bois.
Os índios servem-se da charrua atrelada a um só cavalo conduzido por um menino.
Quando se vê que a terra não produz mais como antes, deixa-se repousá-la. Ao final de três a quatro anos pode-se já cortar e queimar as capoeiras. Sobre as cinzas, semeia-se o trigo; dá-se uma capinação para cobrir a semente, em seguida, plantam-se no mesmo ano, milho e trigo, como nas roças novas, e continua-se da mesma forma até que a terra tenha necessidade de novo repouso.
Ao desmatar-se um campo pela primeira vez, dão-se de suas a três capinas, conforme a terra seja mais ou menos forte, e após cada capina passa-se a grade. Semeia-se o trigo pela primeira vez, dando-se sempre com a mão uma segunda capina para cobrir a semente. Nas terras extremamente férteis, plantam-se uma ou duas vezes por ano milho e trigo, em seguida planta-se apenas trigo. Ao fim de quatro ou cinco anos, deixa-se repousar a terra. O trigo chega a reproduzir de dez a cinquenta por um: cinquenta nas terras férteis; dez nas terras já cansadas. Vêem-se terras que produzem até cem por um. Bate-se o trigo com os animais, de igual modo já descrito em Santa Teresa, tendo-se o cuidado de cobrir a eira com a palha para a terra se conservar consistente e uniforme. Para o milho, não se utiliza nenhum batedor, mas se desfazem as espigas à mão. O feijão é batido da mesma forma que o trigo por meio de animais ou com varas.
Planta-se mandioca só nos campos ou nas capoeiras muito antigas, onde não há mais troncos. Antes do plantio, dão-se três capinas, colocando-se mudas, em covas de 3 palmos de distância uns dos outros. Alguns lavradores colhem-na ao cabo de seis meses, outros ao fim de ano e meio. Planta-se mandioca em outubro para se colher em maio e junho.
Planta-se a mandioca em outubro e, para impedir que a geada faça perecer as mudas, enterram-nas profundamente no solo.
Planta-se arroz; mas é um dos grãos mais incertos por causa da instabilidade do tempo. Quando este é favorável, o arroz rende até duzentos e trezentos e mais por um, mas quando faltam as chuvas, dá muito pouco, e ainda o que se planta em terras pouco úmidas alcança melhor êxito do que aquele que é semeado em terras alagadiças, porque estas últimas, pelo ardor do sol, se transformam para atingir uma dureza extrema e matam a semente. É o arroz cabeludo o que se planta o mais das vezes.
Para se plantar o arroz, dá-se geralmente uma capina com a enxada, limpando-se a terra conforme se deseja.
Algumas pessoas plantam algodão para consumo próprio, mas as geadas lhe fazem muitos estragos. Os algodoeiros só produzem bem nos quatro ou cinco primeiros anos, principalmente no segundo e terceiro. Cortam-se anualmente, rente ao solo, os caules. O algodão é branco e fino, mas de fio curto.
O trigo é vendido em sacos de couro cru, com seis a 12 alqueires. O número de alqueires é indicado por sinais na borda do surrão; o negociante adquire o surrão após a declaração do lavrador; mas esse obriga a colocar sua chancela no surrão e se responsabiliza pela quantidade declarada. Se há reclamações por parte do consumidor, é, então, condenado a pagar seis mil réis de  multa por surrão e um mês de cadeia.

REFERÊNCIA:
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997. P. 476-8.

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