“Certa tarde dei um pulo a São Nicolau, a antiguíssima
aldeia de índios, na qual segundo consta, nasceu Tiaraju, o vencido e a vítima
de Caiboaté.
A Capela de São Nicolau, da aldeia, uma pequenina
igreja sem ornamento algum, foi erguida em 1772, sofrendo remodelações e
reformas em princípios do século passado. É neste local que se estabeleceram os
índios, vindos para este local, atraídos pelos brancos e a cidade que surgia.
Cem anos depois o Dr. Roberto Avé-Lallemant visitou o local, de que refere: ‘Os
gentios vivem aí uma vida fictícia, meio escondidos na mata e na capoeira. Seu
número vai diminuindo sempre mais. Além de algumas palavras em português, muito
mal pronunciadas, e um sorriso constrangido, que me fez doer o coração, nada
mais sabia exprimir essa pobre gente. A um chamado meu, apareceu uma jovem
índia...’.
Também eu tive ensejo de ver uma jovem índia.
Vestia muito bem, penteado moderno, falando perfeitamente o português. Foi ela
que me deu a chave, para que eu pudesse entrar na igrejinha.
No interior da capela deparei com três plásticas
sumariamente curiosas: um crucifixo, um Cristo de pé e um Morto, todos os três
mal alcançando um metro de altura. Talhados em madeira, era trabalho bem
primitivo, com semelhança estranha com certas plásticas africanas. Mas eram de
forte expressividade, devendo ser, indubitavelmente, arroladas na categoria da ‘arte
dos primitivos’. Na parte fotográfica deste livro anexei um retrato do Senhor
Morto; quem o contemplar, dirá se tenho, ou não, razão, quando digo e torno a
dizer: o Primitivismo e a força de expressão impressionam, apesar, em virtude
do seu primitivismo.
Como tudo isto é curioso: ali, na Igreja de São
Francisco (Rio Pardo), as seis estátuas de Cristo, representação gráfica do
mestre de Nuremburgo... ali no hospital, o crucifixo com sua auréola
prateada... ali, na igreja do Senhor dos Passos (Rio Pardo), aquele mobiliário,
ricamente talhado em estilo barroco e burguês... e aqui, agora, esses antiquíssimos,
quiçá os primeiros ensaios desajeitados de mãos de gentios rudes! E, tendo
deixado passar em frente de minha vida interior essas emanações de povos e
épocas diferentes, tenho que confessar: apesar das falhas técnicas e do
primitivismo o trabalho desses pobres indígenas supera a todos os demais em
força de expressão, em veracidade interior e concentração. É bem verdade aquela
frase: ‘Os
últimos serão os primeiros!’ ”
HARNISCH, Wolfgang Hoffmann. O Rio Grande do Sul, a
Terra e o Homem. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1941.
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