sábado, 26 de agosto de 2017

ALDEIA E CAPELA DE SÃO NICOLAU

Certa tarde dei um pulo a São Nicolau, a antiguíssima aldeia de índios, na qual segundo consta, nasceu Tiaraju, o vencido e a vítima de Caiboaté.
A Capela de São Nicolau, da aldeia, uma pequenina igreja sem ornamento algum, foi erguida em 1772, sofrendo remodelações e reformas em princípios do século passado. É neste local que se estabeleceram os índios, vindos para este local, atraídos pelos brancos e a cidade que surgia. Cem anos depois o Dr. Roberto Avé-Lallemant visitou o local, de que refere: ‘Os gentios vivem aí uma vida fictícia, meio escondidos na mata e na capoeira. Seu número vai diminuindo sempre mais. Além de algumas palavras em português, muito mal pronunciadas, e um sorriso constrangido, que me fez doer o coração, nada mais sabia exprimir essa pobre gente. A um chamado meu, apareceu uma jovem índia...’.
Também eu tive ensejo de ver uma jovem índia. Vestia muito bem, penteado moderno, falando perfeitamente o português. Foi ela que me deu a chave, para que eu pudesse entrar na igrejinha.
No interior da capela deparei com três plásticas sumariamente curiosas: um crucifixo, um Cristo de pé e um Morto, todos os três mal alcançando um metro de altura. Talhados em madeira, era trabalho bem primitivo, com semelhança estranha com certas plásticas africanas. Mas eram de forte expressividade, devendo ser, indubitavelmente, arroladas na categoria da ‘arte dos primitivos’. Na parte fotográfica deste livro anexei um retrato do Senhor Morto; quem o contemplar, dirá se tenho, ou não, razão, quando digo e torno a dizer: o Primitivismo e a força de expressão impressionam, apesar, em virtude do seu primitivismo.
Como tudo isto é curioso: ali, na Igreja de São Francisco (Rio Pardo), as seis estátuas de Cristo, representação gráfica do mestre de Nuremburgo... ali no hospital, o crucifixo com sua auréola prateada... ali, na igreja do Senhor dos Passos (Rio Pardo), aquele mobiliário, ricamente talhado em estilo barroco e burguês... e aqui, agora, esses antiquíssimos, quiçá os primeiros ensaios desajeitados de mãos de gentios rudes! E, tendo deixado passar em frente de minha vida interior essas emanações de povos e épocas diferentes, tenho que confessar: apesar das falhas técnicas e do primitivismo o trabalho desses pobres indígenas supera a todos os demais em força de expressão, em veracidade interior e concentração. É bem verdade aquela frase: ‘Os últimos serão os primeiros!’


HARNISCH, Wolfgang Hoffmann. O Rio Grande do Sul, a Terra e o Homem. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1941.

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