segunda-feira, 12 de setembro de 2016

RIO PARDO NA ÉPOCA DO BARCO A VAPOR

           Um pequeno barco a vapor, repleto de passageiros, separada a câmara dos homens (servindo simultaneamente de refeitório e dormitório), do pequeno cubículo reservado às senhoras, leitos com quarenta centímetros de largura, travesseiros e colchões duros, despidos de lençóis e coberturas, e isso mesmo não chegando para todos, ficando muitas pessoas de pé ou assentadas em tamboretes durante uma noite inteira, uma profusão de mosquitos, desde o crepúsculo da tarde até o da manhã seguinte, tal foi nosso suplício até desembarcarmos, felizmente cedo, em Rio Pardo.    (...)
           (...) desde a pacificação da Guerra dos Farrapos, que as teve o seu forte e alternado teatro de operações, marchou Rio Pardo para uma tal decadência, que nenhum esforço jamais pôde refrear.
             Ouvimos alguns dos poucos velhos que conseguiram transpor várias décadas após aquele período revolucionário, contar as grandezas da opulenta vila de Rio Pardo, a vida expansiva, a união íntima de seus mais antigos habitantes.
             Eram aparatosas e completas as festas na igreja e fora, com os competentes torneios das cavalhadas. Eram ainda animados os repetidos saraus familiares com as danças do solo inglês, do minuete afandangado, da gaivota, da cachucha e da contradança antiga, desbancada pelas quadrilhas. Eram bem desempenhados os espetáculos teatrais, em que brilharam Felipe Neri, Mello e Albuquerque, Borba e outros jovens amadores, mais tarde chamados para representar papel saliente na política rio-grandense.
             Reinava uma excepcional atividade no comércio. Era este abundante em todos os gêneros, era o fornecedor do município e até da maior parte dos negociantes da companhia e da região serrana. Estes e aqueles vinham aí comprar mercadorias e transportá-las para, lá longe, revendê-las com avultado lucro.
              E todos ganhavam bom dinheiro, as onças de ouro, os patacões formigavam.
              Mas passada aquela crise revolucionária e tristíssima, a opulenta vila deixou de ser um entreposto comercial.
             A navegação fluvial a vapor, a princípio bimensal e por fim quase diária, anulando quase a dos lanchões e canoas, atraindo para Porto Alegre toda a freguesia comercial da companhia e da serra, desferiu profundo golpe no comércio de Rio Pardo.
             A supressão do comando da guarnição e fronteira, a retirada das forças que aí estacionavam, diminuiu-lhe mais de metade da antiga população urbana.
          Apesar de elevada à categoria de cidade, nem por isso cessou, antes progrediu, a sua decadência, chegando ao ponto de serem oferecidas gratuitamente as casas, para não permanecerem desabitadas por meses a anos.
             Entretanto, Rio Pardo possuía ainda alguns homens prestigiosos e destes mais de um foi chamado a ocupar uma cadeira de deputado à Assembléia Geral e à Provincial. Esses homens envidaram o melhor de sua influência, para recuperar o antigo esplendor da cidade, digna de melhor sorte.
‘            Os deputados e senadores rio-grandenses, encontrando no Ministério o Marquês de Caxias, amigo devotado do Rio Grande do Sul, conseguiram fosse criada e inaugurada uma Escola Militar, provida de ilustrado corpo docente. Mas, ao cabo de dois anos, já não sendo ministro aquele titular, foi a Escola removida para Porto Alegre. Trinta e cinco anos mais tarde restituída, não demorou em ser-lhe de novo tirada. Uma outra Escola de Tiro, uma guarnição militar com um batalhão de infantaria, uma grande estação da estrada de ferro, nada disso tem melhorado as condições da cidade, que foi a chave da campanha rio-grandense.
                Habitam-na hoje mais de seis mil almas.
          Mas, apesar dos templos, teatro, hospital de misericórdia, grandes casas particulares, ainda reina quase geral pobreza.
               Era ai que os viajantes da capital para a campanha, para a região serrana, ou vice-versa, iam encontrar meios de transporte; foi aí que os procuramos.

REFERÊNCIA

SILVEIRA, Hemetério José Velloso da. As Missões Orientais e seus antigos domínios. Porto Alegre: ERUS, 1979. Estante Rio-Grandense União de Seguros. (Primeira Edição: 1909) p. 151-2.

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