Um pequeno barco a vapor,
repleto de passageiros, separada a câmara dos homens (servindo simultaneamente
de refeitório e dormitório), do pequeno cubículo reservado às senhoras, leitos
com quarenta centímetros de largura, travesseiros e colchões duros, despidos de
lençóis e coberturas, e isso mesmo não chegando para todos, ficando muitas
pessoas de pé ou assentadas em tamboretes durante uma noite inteira, uma
profusão de mosquitos, desde o crepúsculo da tarde até o da manhã seguinte, tal
foi nosso suplício até desembarcarmos, felizmente cedo, em Rio Pardo. (...)
(...) desde a pacificação da
Guerra dos Farrapos, que as teve o seu forte e alternado teatro de operações,
marchou Rio Pardo para uma tal decadência, que nenhum esforço jamais pôde
refrear.
Ouvimos alguns dos poucos velhos
que conseguiram transpor várias décadas após aquele período revolucionário,
contar as grandezas da opulenta vila de Rio Pardo, a vida expansiva, a união
íntima de seus mais antigos habitantes.
Eram aparatosas e completas as
festas na igreja e fora, com os competentes torneios das cavalhadas. Eram
ainda animados os repetidos saraus familiares com as danças do solo inglês, do
minuete afandangado, da gaivota, da cachucha e da contradança antiga,
desbancada pelas quadrilhas. Eram bem desempenhados os espetáculos teatrais, em
que brilharam Felipe Neri, Mello e Albuquerque, Borba e outros jovens amadores,
mais tarde chamados para representar papel saliente na política rio-grandense.
Reinava uma excepcional
atividade no comércio. Era este abundante em todos os gêneros, era o fornecedor
do município e até da maior parte dos negociantes da companhia e da região
serrana. Estes e aqueles vinham aí comprar mercadorias e transportá-las para,
lá longe, revendê-las com avultado lucro.
E todos ganhavam bom dinheiro,
as onças de ouro, os patacões formigavam.
Mas
passada aquela crise revolucionária e tristíssima, a opulenta vila deixou de
ser um entreposto comercial.
A navegação fluvial a vapor, a
princípio bimensal e por fim quase diária, anulando quase a dos lanchões e
canoas, atraindo para Porto Alegre toda a freguesia comercial da companhia e da
serra, desferiu profundo golpe no comércio de Rio Pardo.
A supressão do comando da
guarnição e fronteira, a retirada das forças que aí estacionavam, diminuiu-lhe
mais de metade da antiga população urbana.
Apesar de elevada à categoria de
cidade, nem por isso cessou, antes progrediu, a sua decadência, chegando ao
ponto de serem oferecidas gratuitamente as casas, para não permanecerem
desabitadas por meses a anos.
Entretanto, Rio Pardo possuía
ainda alguns homens prestigiosos e destes mais de um foi chamado a ocupar uma
cadeira de deputado à Assembléia Geral e à Provincial. Esses homens envidaram o
melhor de sua influência, para recuperar o antigo esplendor da cidade, digna de
melhor sorte.
‘ Os deputados e senadores
rio-grandenses, encontrando no Ministério o Marquês de Caxias, amigo devotado
do Rio Grande do Sul, conseguiram fosse criada e inaugurada uma Escola
Militar, provida de ilustrado corpo docente. Mas, ao cabo de dois anos, já não
sendo ministro aquele titular, foi a Escola removida para Porto Alegre. Trinta
e cinco anos mais tarde restituída, não demorou em ser-lhe de novo tirada. Uma
outra Escola de Tiro, uma guarnição militar com um batalhão de infantaria, uma
grande estação da estrada de ferro, nada disso tem melhorado as condições da
cidade, que foi a chave da campanha rio-grandense.
Habitam-na hoje mais de seis mil
almas.
Mas, apesar dos templos, teatro,
hospital de misericórdia, grandes casas particulares, ainda reina quase geral
pobreza.
Era ai que os viajantes da
capital para a campanha, para a região serrana, ou vice-versa, iam encontrar
meios de transporte; foi aí que os procuramos.
REFERÊNCIA
SILVEIRA, Hemetério
José Velloso da. As Missões Orientais e seus antigos domínios. Porto Alegre:
ERUS, 1979. Estante Rio-Grandense União de Seguros. (Primeira Edição: 1909) p.
151-2.
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