quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

UM PIONEIRO

                A recente publicação de “A arte de vinificar, de beber e de analisar vinhos”, de autoria de Ernesto Cataluña Veses, patrocinada pela Companhia Vinícola Rio-Grandense, ao ensejo de seu cinqüentenário, ocorrido a 5 de junho de 1979, veio oferecer oportunidade a que se relembre o nome do introdutor da viticultura no Rio Grande do Sul.
                Não sendo historiador, mas enologista, por sinal dos mais competentes, o autor atribui a iniciativa da viticultura, entre nós, a Tomaz Master, que a teria implantado na ilha dos Marinheiros, próxima à cidade de Rio Grande, em 1840. Sabe-se, entretanto, que a produção de uvas e sua vinificação tiveram início em Rio Pardo, antes mesmo de 1808, ano da chegada de D. João ao Brasil, quando só então permitiu-se a instalação de “fábricas de qualquer gênero ou qualidade” na antiga Colônia.
                Nestas condições, Rio Pardo não só foi o berço da viticultura, como também da vinicultura no Rio Grande do Sul. E o nosso primeiro vitivinicultor chamava-se Manoel de Macedo Brum da Silveira, um açoriano, natural da ilha do Pico. Além de pioneiro nessa atividade e, posteriormente, grande estancieiro e fundador de tradicional estirpe gaúcha, também foi o primeiro capitão-mor da Vila de Rio Pardo.
                As referências históricas anteriores, dando notícias de que a parreira chegara ao Rio Grande do Sul na bagagem das primeiras levas açorianas, ainda no século XVIII, não retiram de Manoel de Macedo os méritos de seu pioneirismo, pois só deram lugar a culturas que, além de destituídas de substância econômica, não foram reconhecidas oficialmente, nem figuram na bibliografia conhecida sobre a matéria, desde Gonçalves Chaves até Florêncio de Abreu.
                As atividades de Manoel de Macedo, como vitivinicultor, foram legalizadas através de provisão baixada pelo então Príncipe Regente, a 11 de março de 1813. Nesse documento se reconhece ter sido ele               “o primeiro a formar vinhas e fabricar vinho branco e tinto”, na Capitania do Rio Grande de São Pedro. Afirma-se, ainda, no alvará que então lhe foi concedido, que “não havia essa cultura” no território rio-grandense.
                Por sua vez, Antônio José Gonçalves Chaves, nas suas fundamentais “Memórias Ecônomo-Políticas”, o primeiro livro sobre economia rio-grandense, publicado em 1822 e reeditado no ano passado por benemérita iniciativa da Companhia União de Seguros Gerais, destaca a atuação de Manoel Macedo como pioneiro da cultura de videiras e produção de vinho, mencionando a quantidade de barris em que o produto era comercializado.
                A colocação de Rio Pardo como berço da vitivinicultura rio-grandense e a contribuição de Manoel de Macedo nessa realização pioneira foram estabelecidas pelo historiador Paulo Xavier, em pesquisa original, publicada na edição de 4 de julho de 1959 do Correio do Povo.
                Aliás, não se pode escrever a história econômica do nosso estado sem recorrer aos trabalhos que Paulo Xavier vem divulgando, há alguns anos, notadamente no “Suplemento Rural” daquele matutino. Elaborados sempre em cima da melhor documentação, em geral recolhida dos arquivos em primeira mão, seria do maior interesse que esses trabalhos fossem agrupados por assunto e publicados numa série de volumes, pois constituem – convém repetir – subsídios indispensáveis para o estudo da formação econômica rio-grandense, sobretudo no setor agropastoril, sua industrialização e comercialização.
                Como ainda não se tomou iniciativa tão necessária quanto inadiável, Paulo Xavier continua sendo um “autor sem livros”, conforme já tive ocasião de observar, noutra oportunidade. A esta singularidade ele reúne a de ser o mais operoso e fidedigno pesquisador da economia rural do Rio Grande do Sul. É dos poucos historiadores que, em lugar de recorrer às fontes bibliográficas existentes, vai diretamente aos documentos, inovando e enriquecendo o acervo da historiografia rio-grandense, como o fez em relação ao primeiro capítulo da história da vitivinicultura no Rio Grande do Sul, obra de um pioneiro da velha colonização açoriana, é bom não esquecer.
(Setembro, 1979)”

FONTE:

REVERBEL, Carlos. Saudações aftosas. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1980. p. 31-2.

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