RIO PARDO NA VISÃO DE NICOLAU DREYS
O francês Nicolau Dreys (1781 –
1843) chegou ao Brasil em 1817, estabelecendo-se no comércio do Rio de Janeiro.
Em dezembro mudou-se para Porto Alegre, onde permaneceu até 1825. Sobre suas
experiências no Rio Grande do Sul, escreveu o “Notícia descritiva...”,
publicado originalmente em 1839. A obra aborda o período da Revolução
Farroupilha, com descrição do meio geográfico, dos núcleos urbanos, da
população, destacando o caráter e os costumes dos habitantes, com amplas
informações sobre a economia.
Transcrevemos o que registrou
sobre Rio Pardo.
“Mais antiga e muito tempo rival
de Porto Alegre, a vila de Rio Pardo ainda é, depois da capital, o mais
considerável ponto habitado da parte setentrional da província; levanta-se na
margem esquerda do Jacuí, no ângulo formado pela junção do Rio Pardo, que desce
das alturas contíguas, ao Norte, com a Serra Geral. O terreno em que está
edificada a vila, é um outeiro argiloso, cuja sumidade nivela-se com a margem
esquerda do Jacuí, inclinando-se gradualmente a Oeste até o vale, bastante
escavado, em que corre o Rio Pardo; da parte de Este, seguindo o curso do
Jacuí, o declive é quase insensível, e da parte do Norte a planura comunica-se
com uma cadeia de outeiros que se dirige para a Serra Geral.
Para quem navega pelo Jacuí, a
vila fica escondida; vêem-se somente duas ou três casas insignificantes na
encosta do rio, pelas quais o viajante longe está de adivinhar que ali existe
uma grande povoação; precisa caminhar 400 a 500 braças (880 a 1.100 m) antes de
chegar à vista dos edifícios; são eles bastante numerosos; alguns apresentam-se
com construção moderna, e geralmente o aspecto de todo dá imediatamente a idéia
de uma vila importante; a rua de Santo Anjo, aberta sobre uma linha quase
perpendicular ao Jacuí, quando a maior parte das outras corre
paralelamente a ele não deixaria
certamente de aformosear qualquer das grandes cidades do Brasil: ela forma, por
sua disposição particular, como um bairro separado, onde residem os principais
negociantes em proporções com a população do país; pode-se dizer que o comércio
é florescente, ou pelo menos assim estava, antes que a guerra levasse ali o
luto e a desolação.
A vila do Rio Pardo está longe
de desfrutar a fartura que se observa em Porto Alegre; os trabalhos agrícolas
de seus próprios cidadãos, ou de seus vizinhos satisfazem uma parte de suas
precisões, mas em geral ela recebe de Porto Alegre, além das fazendas e de
todos os mais produtos da indústria européia, os víveres, que lhe faltam,
maiormente os vinhos, os espíritos, os açúcares, e todos os mais gêneros
alimentícios que o território não fornece, menos talvez por falta de
propriedade, do que por insuficiência de trabalhadores; o trânsito dos objetos
importados efetua-se pelo rio Jacuí, por meio de canoas bastante grandes, e às
vezes maiores que alguns dos iates que navegam no Rio Grande e nas Lagoas. As
mesmas embarcações carregam, na volta, os efeitos, com os quais Rio Pardo paga
uma parte das importações, e entre eles figura a erva mate geralmente de boa
qualidade, verdadeira congonha, procedida, como já o temos notado, da mesma
serrania que produz a erva do Paraguai. Todavia, essa navegação, que é sem
perigo, não é sem inconvenientes, sendo o maior deles a necessária lentidão com
que a canoa navega na ida para o Rio Pardo, obrigada, como está, a vencer a
correnteza do rio, agarrando-se penosamente os marinheiros, quando lhes falta o
vento, às árvores que crescem pelas margens, e isso quando a navegação é
praticável, o que, segundo nossas indicações antecedentes, não acontece em toda
a extensão do ano por causa da seca que deixa surgir as cachoeiras acima do
nível das águas; nestas ocasiões a navegação fica reduzida a algumas canoas
pequenas de voga, as quais andam mais ligeiras, com menos dificuldades, mas
cuja capacidade não chega, às vezes, para livrar totalmente o Rio Pardo de
privações momentâneas.
As expedições de Porto Alegre
para o Rio Pardo são tanto mais importantes, que a vila de Rio Pardo é uma
espécie de depósito, donde as fazendas seguem para as povoações mais afastadas
ao Sul e a Oeste, a navegação cessa ordinariamente, e em todos os tempos, para
as canoas de carga, no Rio Pardo e daí continuo o transporte por terra até o
Ibicuí-Guaçu, e mesmo até o Arapeí de um lado, e até o Uruguai de outro lado,
por meio de carros grandes puxados por três, quatro e mais juntas de bois. É
desse modo, e por esse caminho, que penetram no vasto território das Missões
quase todas as fazendas, gêneros comestíveis e líquidos, que ali se consomem; é
de presumir que uma parte dos mesmos efeitos se ponham em concorrência pelo
Uruguai: podem, há de ser forçosamente uma quantidade muito diminuta, vista a
extraordinária dilatação da viagem e as despesas consecutivas a quem tem de
ocorrer o importador.”
DREYS, Nicolau.
Notícia descritiva da província do Rio Grande de São Pedro do Sul. 4. 4d. Porto
Alegre: Nova Dimensão/EDIPUCRS, 1990. p. 9-10; 70-71.
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