domingo, 13 de março de 2016

POVOAMENTO AÇORIANO

                A partir da segunda metade do século XVIII, a política colonial portuguesa na América incluiu uma nova forma de ocupação territorial, com a fixação de médios e pequenos agricultores em várias partes do Império. A instalação de colonos açorianos no Rio Grande do Sul foi acompanhada de iniciativa semelhante por parte do Império Espanhol, com a utilização de colonos trazidos das Ilhas Canárias.
                O domínio da região Platina motivou constantes conflitos militares entre Portugal e Espanha. Portugal precisava colonizar o litoral ao sul de Laguna como forma de ampliar e garantir o uti possidetis em direção à região platina. A Espanha também se esforçava para ocupar áreas na banda oriental do rio Uruguai, a partir de Montevidéu, pois os inimigos das reduções jesuíticas do Tape na corte espanhola eram cada vez mais numerosos, criando problemas para a administração colonial.
                As primeiras levas de casais açorianos chegaram a Santa Catarina com o objetivo de produzir alimentos para as tropas luso-brasileiras envolvidas na ocupação da Prata. Segundo as determinações das autoridades coloniais portuguesas, os colonos deveriam implantar na região um sistema de policultura, o que era compatível com o trabalho de uma família. Além disso, os açorianos constituiriam uma força de reserva, podendo ser recrutada para as constantes lutas na fronteira.
                Com a assinatura do Tratado de Madri, em que Portugal cedia a Colônia do Sacramento e, em troca, recebia da Espanha os Sete Povos das Missões, impõe-se a necessidade de intensificar a colonização no Continente de São Pedro. Para tanto foram levados compulsoriamente casais açorianos de Santa Catarina para o Rio Grande. O objetivo era construir povoados nas zonas fronteiriças e colonizar a área ocupada pelas reduções jesuíticas. Toda essa movimentação dos colonos obedecia a interesses imperialistas e estratégico-militares.
                O plano de ocupação das Missões pelos açorianos não se concretizou. Não houve distribuição de terras nem formação de povoados, pois não foram realizadas todas as demarcações estipuladas no tratado. As duas metrópoles recuaram na execução do acordo, diante da resistência dos missioneiros que causou a Guerra Guaranítica.
                Como os casais de açorianos já estavam a caminho, decidiu-se assentá-los em três locais: nos campos de Viamão, nas margens do leito inferior do rio Jacuí e próximos ao povoado de Rio Grande. Até 1770, esses colonos ficaram concentrados em Viamão e Rio Grande, ou espalhados irregularmente, para não interferirem nas disputas pela posse de terras entre os soldados e ocupantes civis da região.
                O objetivo das autoridades coloniais portuguesas era criar povoados com médios agricultores para servirem na defesa militar contra as invasões espanholas que marcaram o período de 1763 a 1777. A metrópole pretendia também contrabalançar o poder dos grandes estancieiros, apoiando-se politicamente na camada de pequenos proprietários rurais. Os administradores portugueses acreditavam que a imigração açoriana, da forma como era realizada, minimizaria os efeitos negativos da grande propriedade, pouco produtiva e de difícil controle tributário.
                Entretanto, com a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso (1777) esses objetivos perderam importância. Os conflitos militares entre luso-brasileiros e hispano-americanos foram reduzidos. A colonização açoriana – destinada a suprir as tropas portuguesas com alimentos e soldados – foi desestimulada, e a política colonizadora da metrópole reorientou-se para as grandes propriedades pecuaristas.
                Em abril de 1751 chegaram os primeiros açorianos em Rio Grande. No início de 1752 chegaram 60 casais para a sesmaria de Jerônimo de Ornelas, em Porto Alegre, outros 20 foram assentados em Santo Amaro e durante três décadas foram assentados em várias partes de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No período da invasão espanhola, entre 1763 e 1777, muitos açorianos foram deslocados para as proximidades de Viamão, Gravataí e Rio Pardo.
                Apesar do caráter policultor do sistema de colonização implantado com os açorianos, a triticultura alcançou um certo desenvolvimento nesse período. Destacado produto de exportação, o trigo possibilitou o enriquecimento de alguns açorianos, mas logo entrou em decadência. As técnicas de cultivo primitivas e os custos elevados dificultavam a competição com outros centros produtores, como os Estados Unidos, a França e a Prússia. Em 1814 os trigais gaúchos foram assolados por uma doença conhecida como ferrugem, agravando ainda mais a situação. Além disso, era comum a Coroa requisitar o trigo para alimentação das tropas, sem pagar o prometido. Outras vezes, os agricultores eram recrutados como soldados para as campanhas militares, deixando a lavoura sem mão de obra. Com o desenvolvimento da indústria do charque, a pecuária passou a ser um forte concorrente da produção de trigo: os colonos que haviam enriquecido abandonaram a triticultura e se dedicaram à criação de gado. Aos açorianos empobrecidos devido à decadência de suas lavouras, só restou trabalhar como peões nas grandes estâncias de gado. Outros se dedicaram às atividades urbanas, servindo de contrapeso ao modo de vida seminômade dos aventureiros que na época eram comuns.
FONTE:

MOURA, Telmo Remião. História do Rio Grande do Sul. São Paulo: FTD, 1994. p. 51-4. 

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