POVOAMENTO AÇORIANO
A partir da segunda metade do
século XVIII, a política colonial portuguesa na América incluiu uma nova forma
de ocupação territorial, com a fixação de médios e pequenos agricultores em
várias partes do Império. A instalação de colonos açorianos no Rio Grande do
Sul foi acompanhada de iniciativa semelhante por parte do Império Espanhol, com
a utilização de colonos trazidos das Ilhas Canárias.
O domínio da região Platina
motivou constantes conflitos militares entre Portugal e Espanha. Portugal
precisava colonizar o litoral ao sul de Laguna como forma de ampliar e garantir
o uti possidetis em direção à região
platina. A Espanha também se esforçava para ocupar áreas na banda oriental do
rio Uruguai, a partir de Montevidéu, pois os inimigos das reduções jesuíticas
do Tape na corte espanhola eram cada vez mais numerosos, criando problemas para
a administração colonial.
As primeiras levas de casais
açorianos chegaram a Santa Catarina com o objetivo de produzir alimentos para
as tropas luso-brasileiras envolvidas na ocupação da Prata. Segundo as
determinações das autoridades coloniais portuguesas, os colonos deveriam
implantar na região um sistema de policultura, o que era compatível com o
trabalho de uma família. Além disso, os açorianos constituiriam uma força de
reserva, podendo ser recrutada para as constantes lutas na fronteira.
Com a assinatura do Tratado de
Madri, em que Portugal cedia a Colônia do Sacramento e, em troca, recebia da
Espanha os Sete Povos das Missões, impõe-se a necessidade de intensificar a
colonização no Continente de São Pedro. Para tanto foram levados
compulsoriamente casais açorianos de Santa Catarina para o Rio Grande. O
objetivo era construir povoados nas zonas fronteiriças e colonizar a área
ocupada pelas reduções jesuíticas. Toda essa movimentação dos colonos obedecia
a interesses imperialistas e estratégico-militares.
O plano de ocupação das Missões
pelos açorianos não se concretizou. Não houve distribuição de terras nem
formação de povoados, pois não foram realizadas todas as demarcações
estipuladas no tratado. As duas metrópoles recuaram na execução do acordo,
diante da resistência dos missioneiros que causou a Guerra Guaranítica.
Como os casais de açorianos já
estavam a caminho, decidiu-se assentá-los em três locais: nos campos de Viamão,
nas margens do leito inferior do rio Jacuí e próximos ao povoado de Rio Grande.
Até 1770, esses colonos ficaram concentrados em Viamão e Rio Grande, ou
espalhados irregularmente, para não interferirem nas disputas pela posse de
terras entre os soldados e ocupantes civis da região.
O objetivo das autoridades
coloniais portuguesas era criar povoados com médios agricultores para servirem
na defesa militar contra as invasões espanholas que marcaram o período de 1763
a 1777. A metrópole pretendia também contrabalançar o poder dos grandes
estancieiros, apoiando-se politicamente na camada de pequenos proprietários
rurais. Os administradores portugueses acreditavam que a imigração açoriana, da
forma como era realizada, minimizaria os efeitos negativos da grande
propriedade, pouco produtiva e de difícil controle tributário.
Entretanto, com a assinatura do
Tratado de Santo Ildefonso (1777) esses objetivos perderam importância. Os
conflitos militares entre luso-brasileiros e hispano-americanos foram
reduzidos. A colonização açoriana – destinada a suprir as tropas portuguesas
com alimentos e soldados – foi desestimulada, e a política colonizadora da
metrópole reorientou-se para as grandes propriedades pecuaristas.
Em abril de 1751 chegaram os
primeiros açorianos em Rio Grande. No início de 1752 chegaram 60 casais para a
sesmaria de Jerônimo de Ornelas, em Porto Alegre, outros 20 foram assentados em
Santo Amaro e durante três décadas foram assentados em várias partes de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. No período da invasão espanhola, entre 1763 e
1777, muitos açorianos foram deslocados para as proximidades de Viamão,
Gravataí e Rio Pardo.
Apesar do caráter policultor do
sistema de colonização implantado com os açorianos, a triticultura alcançou um
certo desenvolvimento nesse período. Destacado produto de exportação, o trigo
possibilitou o enriquecimento de alguns açorianos, mas logo entrou em
decadência. As técnicas de cultivo primitivas e os custos elevados dificultavam
a competição com outros centros produtores, como os Estados Unidos, a França e
a Prússia. Em 1814 os trigais gaúchos foram assolados por uma doença conhecida
como ferrugem, agravando ainda mais a situação. Além disso, era comum a Coroa
requisitar o trigo para alimentação das tropas, sem pagar o prometido. Outras
vezes, os agricultores eram recrutados como soldados para as campanhas
militares, deixando a lavoura sem mão de obra. Com o desenvolvimento da
indústria do charque, a pecuária passou a ser um forte concorrente da produção
de trigo: os colonos que haviam enriquecido abandonaram a triticultura e se
dedicaram à criação de gado. Aos açorianos empobrecidos devido à decadência de
suas lavouras, só restou trabalhar como peões nas grandes estâncias de gado.
Outros se dedicaram às atividades urbanas, servindo de contrapeso ao modo de
vida seminômade dos aventureiros que na época eram comuns.
FONTE:
MOURA, Telmo Remião.
História do Rio Grande do Sul. São Paulo: FTD, 1994. p. 51-4.
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