sexta-feira, 30 de maio de 2025
ANA AURORA DO AMARAL LISBOA - CARTA AMÔNIMA
CARTA PATRIOTA RIO PARDO
Causará estranheza o titulo deste e mais de um leitor perguntará
admirado como ouso eu tratar de um assunto tão delicado, tão escabroso!
É que a sociedade esconde sob o manto de suas convenções muita chaga
cancerosa que é preciso cauterizar, e para isso necessário é pólas a
descoberto, que não deve recear fazer quem tem por alvo o bem da
mesma sociedade.
Quem poderá bem calcular o mal que uma carta anônima pode produzir?
Quantas uniões dissolvidas, quantas reputações manchadas, quantas
famílias desunidas, quantas vinganças injustas, não tem causado uma
carta destas?
Pois o que é uma carta anônima?
É o germem da dúvida e da desconfiança que se vai inocular no coração
até então crente e confiante; é a semente da discórdia que vai desunir os
membros da mais unida e pacífica família; é a ideia da vingança que
levanta o braço armado do ferro homicida; e tudo isso, porem é mais
ainda: é o escoadouro por onde as almas baixas e vis deixam extravasar os
seus sentimentos indignos: é uma coisa tão imunda que só pode achar
outra que lhe ganhe: - o ente sem dignidade que a forjou.
Se a serenidade de espírito daquele que recebe uma carta anônima não
fosse logo perturbada pela surpresa; se a indignação lhe permitisse
raciocinar com calma, nada devia merecer-lhe mais desprezo, pois a lógica
demonstrar-lhe-ia que tal coisa só poderia provir da mais indigna das
criaturas.
Na verdade, enquanto restar no homem um átomo do que se chama de
sentimento de dignidade, ele não lançara mão de tão ignóbil meio para
consecução de um fim seja ele qual for. Se é um amigo que deseja avisar,
a amizade ensinar-lhe-á o caminho reto da fraqueza e da lealdade; se é
um inimigo a quem deseja ferir; a honra exigirá que o ataque a peito
descoberto.
Pode-se afirmar sem receio que o autor de uma carta anônima é
infalivelmente um miserável corrido pela lepra moral da inveja. Não há,
nem entre os animais mais vis, um termo de comparação que caracterize
bem a abjeção aos seus sentimentos de inveja; compará-lo a um cão
leproso, como tenho ouvido comparar, seria ofender o pobre animal,
símbolo de lealdade de repelente doença de lepra, não nos engana e
podemos afastar-nos dele a fim de evitar o seu contato.
Outro tanto não sucede, com o invejoso de que nos ocupamos: a lepra
que o corroi fica oculta, e a sociedade, em cujo seio ele é um elemento
deletério, o recebe com prazer e suas próprias vitimas o acolhem com
confiança, ignorando o que lhe devem!
Quantas vezes, apertando a mão de alguém, não dirá cinicamente consigo
mesmo o infame detractor: -“ Ah! Se este soubesse da verdade, em lugar
de estender a mão para apertar a minha, ergue-la-ia, armada de um
chicote para fustigar-me a cara!”
E, confinado no mistério em que envolve seus ataques, mas cobarde mil
vezes do que o salteador que se acoberta com a sombra da noite para
roubar o inerme transeunte, o miserável invejo, cônscio da sua
impunidade, afronta com audácia a sociedade, que o expulsaria indignada
de seu seio se, suspeitasse a verdade! Anna Aurora
Rio Pardo, 24 de julho de 1894.
FONTE:Jornal PATRIOTA 1894. AHMRP
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