quarta-feira, 12 de outubro de 2016

RS: O “CELEIRO” DO BRASIL


                A economia do Rio Grande do Sul condicionou a trajetória da sociedade rio-grandense por configurar-se como um setor de abastecimento, subsidiário, complementar e subordinado ao conjunto de economia brasileira. Até hoje, o caráter colonial – primário-exportador – da produção de riquezas no Brasil atende às necessidades de acumulação de capitais nos países hegemônicos; da mesma forma, o Rio Grande do Sul trilha o mesmo sentido, secundário, em um contexto menor: o da história do Brasil.
                Ocorre que o Rio Grande do Sul assumiu esse papel e desenvolveu valores que enfatizam e defendem tal condição. A posição da economia complementar implica também apropriação, por parte da classe dominante, de uma pequena parcela da riqueza produzida. A classe dominante rio-grandense (ao longo da história, basicamente pecuarista) adequou-se a essa situação, conformando-se com sua função secundária.
                Assim, a sociedade rio-grandense, através de seus segmentos dominantes, não criou nada de novo. Apenas elaborou seu projeto histórico circunscrito ao ideal de ser o “celeiro” do Brasil.
                Os setores agropecuários rio-grandenses, sem condições de capitalização, nunca investiram na melhoria das pastagens ou dos solos, no aprimoramento genético dos rebanhos e das sementes, na proteção dos produtores nem no aparelhamento das vias de escoamento e de comercialização da produção. A pecuária manteve-se, e ainda continua, basicamente extensiva.
                Assim, o crescimento dos rebanhos fica condicionado à maior disponibilidade de terras, fortalecendo a grande propriedade rural, desprovida de aproveitamento racional. Nas lavouras policultoras, em geral identificadas com a zona de imigração ítalo-germânica, o esgotamento dos solos e o fracionamento dos lotes inviabilizaram um modelo de desenvolvimento capitalista que mantinha os agricultores na terra. Além disso, os solos do Rio Grande do Sul não são geologicamente privilegiados. O uso extensivo e o emprego de técnicas rudimentares têm comprometido o aumento da produtividade.
                A criação de gado, a produção de charque e a comercialização transferiram prejuízos entre si porque os lucros eram escassos. Os agricultores que ocuparam o planalto e sua encosta recorriam ao uso da coivara, queimando os elementos orgânicos do solo. Esse processo ainda é bastante comum, mesmo nas lavouras comerciais. Os agricultores foram (e ainda são) subordinados ao comerciante, consequentemente, ao industrial e ao setor financeiro.
                Em certa medida, os entraves nunca foram assimilados como problemas de organização da produção, mas apenas como falta de proteção tarifária, que deveria ser estabelecida pelas autoridades federais ou estaduais.
                O que se pretende destacar é que a economia rio-grandense, voltada para a produção agrícola, atendeu aos interesses do mercado brasileiro, ao mesmo tempo que enriqueceu e consolidou uma classe dominante identificada com essas características.
                A vocação de “celeiro” do Brasil privilegiou uma pecuária de baixa produtividade e uma agricultura que não se consolidou enquanto policultora, gerando condições para que muitos agricultores fossem expulsos do campo.
                A ideia de “celeiro” nacional foi fator decisivo para inviabilizar a construção de um projeto de sociedade – ainda que gerenciado pela classe dominante – representativo do conjunto de interesses locais.
                Mesmo com as limitações acima apresentadas, foi possível desenvolveu uma produção primária ampla e diversificada. Além disso, o comércio cresceu, projetou núcleos urbanos importantes e permitiu capitalizar recursos que foram investidos em serviços e na agroindústria.
                Assim mesmo, o projeto capitalista foi restritivo e incapaz de administrar politicamente o desenvolvimento da economia rio-grandense. Mais adiante observaremos que industrialização local não atingiu um nível satisfatório que a capacitasse a concorrer no mercado capitalista. Veremos também que a exportação de grãos não decorre de um desdobramento histórico da lavoura local, mas representa um reforço de atrelamento às políticas econômicas dos centros hegemônicos brasileiros e, em certa medida, algo novo e diferenciado dos objetivos da lavoura mais antiga da região.


Referência: MOURE, Telmo Remião. História do Rio Grande do Sul. 2º Grau. São Paulo: FTD, 1994. p. 86-87.

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