A
economia do Rio Grande do Sul condicionou a trajetória da sociedade
rio-grandense por configurar-se como um setor de abastecimento, subsidiário,
complementar e subordinado ao conjunto de economia brasileira. Até hoje, o
caráter colonial – primário-exportador – da produção de riquezas no Brasil
atende às necessidades de acumulação de capitais nos países hegemônicos; da mesma
forma, o Rio Grande do Sul trilha o mesmo sentido, secundário, em um contexto
menor: o da história do Brasil.
Ocorre
que o Rio Grande do Sul assumiu esse papel e desenvolveu valores que enfatizam
e defendem tal condição. A posição da economia complementar implica também
apropriação, por parte da classe dominante, de uma pequena parcela da riqueza
produzida. A classe dominante rio-grandense (ao longo da história, basicamente
pecuarista) adequou-se a essa situação, conformando-se com sua função secundária.
Assim,
a sociedade rio-grandense, através de seus segmentos dominantes, não criou nada
de novo. Apenas elaborou seu projeto histórico circunscrito ao ideal de ser o
“celeiro” do Brasil.
Os
setores agropecuários rio-grandenses, sem condições de capitalização, nunca
investiram na melhoria das pastagens ou dos solos, no aprimoramento genético
dos rebanhos e das sementes, na proteção dos produtores nem no aparelhamento
das vias de escoamento e de comercialização da produção. A pecuária manteve-se,
e ainda continua, basicamente extensiva.
Assim,
o crescimento dos rebanhos fica condicionado à maior disponibilidade de terras,
fortalecendo a grande propriedade rural, desprovida de aproveitamento racional.
Nas lavouras policultoras, em geral identificadas com a zona de imigração
ítalo-germânica, o esgotamento dos solos e o fracionamento dos lotes
inviabilizaram um modelo de desenvolvimento capitalista que mantinha os
agricultores na terra. Além disso, os solos do Rio Grande do Sul não são
geologicamente privilegiados. O uso extensivo e o emprego de técnicas
rudimentares têm comprometido o aumento da produtividade.
A
criação de gado, a produção de charque e a comercialização transferiram
prejuízos entre si porque os lucros eram escassos. Os agricultores que ocuparam
o planalto e sua encosta recorriam ao uso da coivara, queimando os elementos
orgânicos do solo. Esse processo ainda é bastante comum, mesmo nas lavouras
comerciais. Os agricultores foram (e ainda são) subordinados ao comerciante,
consequentemente, ao industrial e ao setor financeiro.
Em
certa medida, os entraves nunca foram assimilados como problemas de organização
da produção, mas apenas como falta de proteção tarifária, que deveria ser
estabelecida pelas autoridades federais ou estaduais.
O
que se pretende destacar é que a economia rio-grandense, voltada para a
produção agrícola, atendeu aos interesses do mercado brasileiro, ao mesmo tempo
que enriqueceu e consolidou uma classe dominante identificada com essas
características.
A
vocação de “celeiro” do Brasil privilegiou uma pecuária de baixa produtividade
e uma agricultura que não se consolidou enquanto policultora, gerando condições
para que muitos agricultores fossem expulsos do campo.
A
ideia de “celeiro” nacional foi fator decisivo para inviabilizar a construção
de um projeto de sociedade – ainda que gerenciado pela classe dominante –
representativo do conjunto de interesses locais.
Mesmo
com as limitações acima apresentadas, foi possível desenvolveu uma produção
primária ampla e diversificada. Além disso, o comércio cresceu, projetou
núcleos urbanos importantes e permitiu capitalizar recursos que foram
investidos em serviços e na agroindústria.
Assim
mesmo, o projeto capitalista foi restritivo e incapaz de administrar
politicamente o desenvolvimento da economia rio-grandense. Mais adiante
observaremos que industrialização local não atingiu um nível satisfatório que a
capacitasse a concorrer no mercado capitalista. Veremos também que a exportação
de grãos não decorre de um desdobramento histórico da lavoura local, mas
representa um reforço de atrelamento às políticas econômicas dos centros
hegemônicos brasileiros e, em certa medida, algo novo e diferenciado dos
objetivos da lavoura mais antiga da região.
Referência: MOURE,
Telmo Remião. História do Rio Grande do Sul. 2º Grau. São Paulo: FTD, 1994. p.
86-87.
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