A Aldeia de São
Nicolau, a sete quilômetros do centro de Rio Pardo, festeja neste domingo um
marco histórico para a comunidade negra do município. Há cem anos um grupo 24
famílias se uniu para comprar uma área de terra de 27 hectares atrás da igreja
e do cemitério. Cada um contribuiu com o que pode e mais tarde os lotes da
colônia foram distribuídos de forma proporcional à participação das pessoas. A
propriedade ainda pertence a descendentes.
O s festejos começam às 16 horas com uma concentração
comunitária no local conhecido como figueiras, próximo a igreja de São Nicolau,
seguindo com uma caminhada pelas ruas do aldeamento, no Bairro Ramiz Galvão. O
Bispo dom Gílio Felício, primeiro negro
no Estado a receber a ordenação e hoje
atuando em Salvador (BA), preside a celebração Afro defronte ao templo às 17
horas . As comemorações se encerram à noite com um jantar no pavilhão
comunitário.
A ideia da
celebração começou após a descoberta de documentos de compra e venda da terra,
que estavam em posse de Debaldina e
Marta Romana, descendentes do grupo que participou da negociação . Os papéis
têm a data de 5 de janeiro de 1901, mas a professora Leonete Romano Domingues
explica que a decisão de fazer a comemoração neste fim de semana se deve a
proximidade com a data consagrada ao Dia Nacional da Consciência Negra (20 de
novembro).
Leonete é uma das descendentes de famílias que participaram
da compra das terras. Ela segue as
pesquisas para obter mais dados e busca a ajuda de outras pessoas. As primeiras informações ela coletou por meio
de depoimentos de familiares do grupo que participou da compra. “É muito
difícil encontrar algo, pois até há pouco tempo os próprios negros evitavam
falar sobre o seu passado”, diz.
UNIÃO: A professora
observa que chama a atenção o fato de que a comunidade negra na época possuía
uma organização e se preocupava com o coletivo. “Pelo documento, ninguém
poderia vender as terras, apenas mantê-las para seu usufruto”, conta. Nos primeiros documentos não consta o total
pago pela área, mas numa escritura posterior aparece o valor de dois contos e
600 mil réis. O documento não previa a área de terra para cada família e a
divisão ocorreu de forma verbal.
Na comunidade se tornaram conhecidas as balaieiras, as
mulheres dos negros que iam até a cidade carregando verduras e frutas na cabeça
para a comercialização. Leonete conta que quando faltava algo na produção em
suas terras, as famílias compravam na localidade vizinha de Rincão Del Rey para
vender à população urbana. Muitos na cidade ainda lembram-se das mulheres pelas
ruas, com sua forma de andar para equilibrar o balaio na cabeça, as mãos para
baixo, trazendo produtos frescos para a cidade. A tradição se estendeu em Rio
Pardo até meados da década de 70.
A ex- diretora do Instituto Ernesto Alves, de Rio Pardo, e
uma das fundadoras da Escola de Samba Embaixadores do Ritmo, Luíza Costa
Ferreira, já falecida, compôs uma música homenageando as balaieiras da Aldeia.
As mulheres negras que carregavam produtos na cabeça também foram várias vezes
lembradas nos desfiles de carnaval da cidade.
Por causa das dificuldades de água, em época de estiagem, as
mulheres também seguiam a pé com cestas de roupa na cabeça para lavar no Arroio
do Couto, a 45 minutos da Aldeia. A água para abastecer as famílias em época de
estiagem o grupo buscava numa fonte próxima, também carregando na cabeça. Da
mesma forma levavam a lenha que obtinham no mato, amarrando a carga com cipós.
FONTE: Gazeta do Sul, 10/11/2001. Otto Tesche